Um dos filmes mais aguardados da 47ª Mostra Internacional de São Paulo, “Zona de Interesse” é uma daquelas obras que não se bastam nelas mesmas, exigindo conhecimento do espectador sobre o tema e, principalmente, uma posição moral sobre a validade do dispositivo usado pelo diretor Jonathan Glazer.
As primeiras imagens mostram uma família se divertindo à beira de um riacho, num dia de calor. Eles voltam felizes para casa, perfazendo em seguida uma rotina normal. Aos poucos reconhecemos o uniforme nazista usado pelo patriarca. Mais: ele ocupa um cargo de confiança durante a Segunda Guerra Mundial.
Logo percebemos que aquela “casa dos sonhos” está bem ao lado do maior inferno vivido pelos judeus: Auschwitz. Localizado no sul da Polônia dominada pelos alemães, foi o maior campo de concentração de judeus, exterminando cerca de 1 milhão de prisioneiros durante os quatro anos e meio de sua existência.
Essas informações não são dadas pelo filme. Daí o envolvimento do público irá variar de acordo com o repertório sobre a Grande Guerra. Na primeira hora de projeção, por exemplo, o máximo que vemos/ouvimos são fumaça (saída dos crematórios, algo que não é também explicado), tiros constantes e muitos gritos em alemão.
Depois acompanhamos Rudolf Höss em algumas atividades de trabalho, como decidir sobre a troca dos fornos para modelos mais modernos, capazes de matar mais pessoas num espaço menor de tempo. Ele nunca aparece dentro do campo – esse é um dos dispositivos de “Zona de Interesse”.
Diferentemente de “A Lista de Schindler”, por exemplo, em que assistimos ao horror da prática de genocídio com detalhes, o longa-metragem de Glazer faz questão de tornar tudo subentendido. O máximo de contato que se dá é a parti da presença de judeus como serviçais da casa ou quando, num simples passeio, Höss encontra uma mandíbula.
Com este ponto de vista, surge a grande discussão sobre o filme, se não estaria humanizando demais os responsáveis por tamanha tragédia. Os conflitos principais envolvem a perda da casa de luxo que construíram a poucos metros do campo de concentração, devido a uma possível mudança de comando.
São questões muito próximas a nós, mas dentro de certa normalidade, como a perda de emprego, os sonhos que podem ruir e o medo da esposa em não usufruir mais daquele poder. Se colocados, porém, diante de mal maior, em que essas pessoas são as causadoras, isso tudo é, de certa maneira, relativizado de forma surpreendente.
O nosso mal-estar é compartilhado pela mãe da esposa de Höss, Hedwig. É um dos melhores momentos do filme, quando ela apresenta, com orgulho, cada cômodo da casa, sem nada falar sobre o que acontece do outro lado do muro. Com o passar dos dias, a mãe se deixa afetar por aquela bizarra situação.
Vencedor do Grande Prêmio do Festival de Cannes, o filme também deve ser lembrado no Oscar, em especial a atuação de Sandra Hüller (Hedwig), que também é a protagonista de outro trabalho muito badalado, “Anatomia de uma Queda”, de Justine Triet, ganhador da Palma de Ouro no mesmo festival francês.
O roteirista de “Taxi Driver”, Paul Schrader, definiu o dispositivo de “Zona de Interesse” como um truque de salão. A simples sugestão pode ser mais inquietante do que exibir a totalidade do que está acontecendo. Neste sentido, o filme acerta em cheio, tornando mais próxima e atual a crueldade de Höss.