Encontro. Definição para a junção de pessoas que caminham para um mesmo lugar. Na lida da artesã empreendedora Heloísa Figueira, 71, um cômodo da sua casa, no bairro Anchieta, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, foi o ponto de partida para que um dia pudesse chegar a um local distante das ausências que se aproximavam com o advento da terceira idade. Ao lado da sua irmã, a aposentada Maria Alice, 70, e da sua amiga Maria Guimarães, 70, decidiu empreender por meio da arte. O espaço, ainda adaptado, tornou-se então um local fecundo para a criatividade, que mais do que complementar a renda, permitiu a essas três mulheres compartilhar momentos e superar dores, físicas e psicológicas, provenientes do avançar da idade.  

“A gente faz pelo prazer de estarmos juntas, de descobrir coisas novas. Não ganhamos muito dinheiro com isso, não é a nossa principal renda. Fazemos porque amamos, nos divertimos quando nos encontramos. A gente ri, dança e até fazemos a “hora do recreio”. É uma terapia”, relata a artesã Heloísa Figueira, responsável por idealizar o negócio, o Arteirice. O projeto foi concebido quando ela se mudou do Rio de Janeiro para Minas Gerais, após um processo de divórcio, em 2003, quando tinha 51 anos. Mais do que a mudança de espaço físico, Heloísa se encontrou em um momento de transformação. E foi por meio dessa atividade que conseguiu passar pelos desafios e reencontrar consigo mesma. “Hoje me sinto útil porque consigo fazer algo, e que me dá prazer. Tenho o que ocupar meu tempo, isso mudou a minha vida”, acrescenta. 

Desafios como o enfrentado pela artesã aos 51 anos se multiplicam pelo Brasil. Atualmente, o país conta com 15,7 milhões de mulheres com mais de 50 anos, o que corresponde a 15,08% da população feminina. Os dados do Censo 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), revelam ainda que as mulheres são maioria em um país que convive com o rápido envelhecimento da sua população. A idade média dos brasileiros saltou de 29 anos, em 2010, para 35, ano passado, conforme o mesmo estudo. “Precisamos olhar para esse momento da nossa sociedade e compreender todos os impactos que ele pode ocasionar. O envelhecimento vai muito além das dores físicas e crônicas, ele pode afetar também o emocional, o psicológico daquela pessoa, principalmente no público feminino”, alerta a especialista em saúde da mulher, Juliana Lana, 30. 

Crédito da arte: Rose Braga/ Editoria de Arte de O Tempo

Conforme o Ministério da Saúde, ao aproximar dos 50 anos, mulheres passam a conviver com constantes alterações hormonais, o que é crucial para todo o ciclo reprodutivo. Essas mudanças, provocadas pela queda dos níveis de estrogênio, afetam o cérebro, a pele, os músculos e até mesmo as emoções. Problemas que se somam às doenças crônicas e a síndrome do ninho vazio - sentimento comum entre os pais por ter seus filhos longe do lar. Essas condições, em sua maioria, são duradouras e podem gerar exclusão, limitando suas atividades diárias, a participação social e até mesmo a capacidade de desempenhar seu papel na sociedade.

“Se considerarmos o público feminino, tem a menopausa, o câncer de mama, a incontinência urinária e tantas outras questões que se tornam comum com o avançar da idade. Quando a gente vê a questão da incontinência, por exemplo, o que percebemos é que essas mulheres possuem receio de assumir atividades de trabalho, de sair de casa. Isso porque precisam ir ao banheiro mais vezes, e gera incômodo, medo de passar por essa situação perto de outras pessoas. Elas, então, começam a se isolar, e isso afeta a sua saúde mental”, expõe Lana. 

O cenário exposto pela especialista se identifica com o resultado de um estudo realizado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo. A pesquisa revelou que 34% dos adultos mais velhos e idosos brasileiros apresentam sintomas depressivos, e 16% afirmam sentir solidão. O sentimento de estar só ou isolado está mais associado ao público feminino, e tende a ser quatro vezes maior em idosos, expondo essa parcela da população aos riscos de desenvolver depressão, principalmente pelo fato de morar só. “A questão do ninho vazio é muito comum, principalmente entre as mulheres, que passam mais tempo em casa e cuidando dos filhos. Elas deixam de ter aquela vida agitada, cheia de compromissos e começam a se sentir sem lugar quando encontram a casa vazia. Muitas recorrem a remédios para controlar a ansiedade e a depressão”, explica Juliana Lana.

Somado ao sentimento de esvaziamento do lar, essas mulheres convivem, conforme a especialista, com a sensação de inutilidade, seja pelas doenças crônicas, que as afastam do mercado de trabalho, ou pelas disfunções sexuais. “É uma fase em que o organismo feminino sofre muito, que é muito comum, por exemplo, ter desconforto durante uma relação sexual. Por isso fortalecer a saúde mental, principalmente com uma atividade que valoriza o talento dela é importante. E o empreendedorismo pode ser esse caminho para potencializar um dom e cuidar da questão psicológica”, orienta. 

Esse caminho foi a alternativa encontrada pela aposentada Rosária Andrade, 76, moradora do bairro Alto Vera Cruz, na região Leste da capital mineira. Aos 50 anos, ela decidiu empreender como para não mais se ver refém financeiramente do seu companheiro, que enfrentava problemas com o alcoolismo. Ela procurou ajuda junto ao grupo Meninas de Sinhá, um projeto instalado no bairro onde reside, que oferece oficinas gratuitas para mulheres. Ao lado delas, começou a confeccionar tapetes, crochês e outros tipos de artesanatos, gerando renda e contribuindo para o seu sustento e dos seus quatro filhos. 

Rosária Andrade é empreendedora e moradora do bairro Alto Vera Cruz. Foto: Kika Antunes / Foto: Divulgação Meninas de Sinhá

“Essa decisão de procurar algo para a minha vida foi fundamental. Se comparar quem eu sou hoje com a que eu era quando entrei no projeto, falam que não é a mesma pessoa. Minha autoestima está a mil, me sinto com mais vontade de viver”, conta Rosária Andrade. Ao longo dos anos, as atividades artesanais se somaram as aulas de canto e instrumentais, também oferecidas pelo grupo. Ocupações que também geram renda, e possibilitam uma melhor qualidade de vida para a aposentada. “Esse cachê ajuda muito. Agora comecei a reformar a minha casinha para deixá-la do jeitinho que sempre quis. Ou seja, não é porque a gente é velha que tem que desistir do sonho”, conclui. 

Para além dos sonhos 

Um estudo realizado pelo Sebrae neste ano apontou que empreender é um desafio ainda maior para o público feminino, quando se comparado aos homens que decidem ter o seu próprio negócio. Conforme a pesquisa, o apoio a empreendedores do sexo masculino é maior entre clientes/fornecedores, cônjuge, amigos e pais. Para as mulheres, a ajuda é mais comum entre os familiares, grupos de amigos em aplicativos de conversa e filhos. 

Essa condição adversa também é mais recorrente para o público feminino quando considerados os afazeres domésticos. As mulheres empreendedoras gastam em torno de duas vezes mais tempo diário em cuidados com pessoas da família e com os compromissos em casa, se comparadas aos homens. O tempo médio gasto pelas mulheres com cuidado com pessoas é de mais de 3h diárias, já entre os homens, é de pouco mais de uma hora e meia por dia. Além disso, mulheres dedicam cerca de 2,9 h por dia para as atividades do lar, enquanto os homens 1,5h. 

Para a orientadora de carreiras Juliana Seidl, a decisão de empreender, principalmente para mulheres com mais de 50 anos, precisa ser acompanhada de cuidados e, sempre que possível, de uma rede de apoio. “Uma mulher que passou boa parte da vida como dona de casa, o que não deixa de ser um trabalho, enfrenta muitos desafios quando busca um emprego ou ter o seu negócio. Ela precisa desenvolver todas as competências e técnicas, não só as empreendedoras e tecnológicas, como também as socioemocionais”, destaca. 

A especialista também alerta que mais do que buscar uma ocupação para o tempo livre, essa população precisa avaliar os pós e contras, considerando as condições físicas e emocionais comuns nesta faixa etária. “Além da gestão do negócio, tem a questão de como ela vai administrar o tempo que ela tem. Outro ponto importante, se dá pelas relações que se estabelecem com esse negócio. Ela vai ter seus clientes, mas que não irão estar ali o tempo todo. E se a pessoa não tiver uma condição de contratar um funcionário ou uma equipe, ela pode ficar uma maior parte do dia sozinha. Então esse cuidado para não transformar isso em solidão é extremamente importante”, orienta. 

A avaliação é a mesma para a analista do Sebrae Minas, Arielle Alexandria. Assim como Juliana Seidl, ela acredita que todas essas questões reforçam a necessidade da capacitação antes do primeiro passo. “São pessoas que buscam empreender por necessidade, para ter alguma ocupação e até mesmo o aumento da renda. Elas possuem algumas barreiras, mas estão cheias de oportunidade. Isso porque são pessoas em que a experiência permite saber lidar com sentimentos, a relação interpessoal, a resiliência. Então a capacitação é uma forma de aprimorar essas habilidades que essas mulheres possuem”, analisa. 

De acordo com o estudo do Sebrae, 40% das mulheres que decidiram empreender no país tiveram o apoio da instituição, 8% de prefeituras, 5% da comunidade ou associação de moradores e outros 5% de igrejas e ONGs.  “Essas iniciativas são fundamentais para as mulheres. Quando você está em uma rede de apoio, com outras pessoas em situações semelhantes à sua, você passa a ter uma inspiração, é um fortalecimento do ciclo. Você pode então, compartilhar dores, sofrimentos, uma pessoa ajuda a outra”, reforça a analista do Sebrae Minas, Arielle Alexandria.