Disposto sobre a mesa do nono andar da Santa Casa BH, o telefone é o meio utilizado para que as primeiras informações sobre a morte de um paciente cheguem até a família que aguarda por notícias em casa. Três pavimentos acima, na CTI Neonatal, a informação aos pais sobre a morte de um bebê é dada pessoalmente por profissionais da unidade que caminham por um corredor ornado em cores e ilustrações que remetem à infância.
Formas e percursos distintos que se repetem pelo menos oito vezes ao dia no maior complexo hospitalar da capital mineira. São momentos de despedidas que desafiam aqueles que possuem a missão de informar familiares sobre os óbitos de seus entes queridos e que tornam esses profissionais “mensageiros da morte” em um ambiente de luta pela vida.
“Não é uma coisa fácil. Tem 17 anos que tenho essa missão, e faço isso com muita empatia, como se fosse para mim”, relata a enfermeira Alessandra Cristina de Camargo, 49, responsável por informar aos familiares sobre a morte de pacientes.
O desafio é o mesmo para Thalita Maciel, enfermeira na CTI Neonatal, onde é oferecida assistência médica para bebês prematuros e cardiopatas, além daqueles que nasceram com malformação e síndromes. “É sempre um sentimento de impotência. A gente tentou entregar aquele bebê, mas não conseguimos fazer com que a família o levasse para casa”, desabafa Thalita.
A unidade, que recebe pacientes de alta complexidade, convive sob o risco da morte. São 180 leitos de CTI, voltados para o atendimento ininterrupto de pacientes em estado grave ou potencialmente grave. Destes, 20 estão destinados para o acompanhamento de recém-nascidos com algum tipo de intercorrência.
Para a enfermeira Alessandra, indiferentemente do quadro do paciente, repassar a informação é tarefa árdua. “Quando a pessoa tem alguma doença, a equipe já vai preparando para a notícia. O familiar fala que aquele paciente ‘descansou’. Agora, quando não se espera, é pior. Não tem nada que dói tanto (quanto essa notícia)”, considera.
O psicólogo Thales Coutinho concorda com Alessandra. “A pior informação é a da morte, por mais que saibamos que um dia ela acontecerá. É preciso ser direto na comunicação e, ao mesmo tempo, dar o direcionamento necessário, pois as pessoas ficam desnorteadas”, explica. Para seguir essa orientação, as equipes da Santa Casa BH contam com a empatia. “Cada óbito marca de uma forma diferente, faz repensar a vida, como ela é frágil. E a gente precisa acolher essa pessoa nesse momento de dor”, acrescenta Thalita.
Luto começa pessoalmente
Após o médico atestar o óbito do paciente, a equipe de enfermagem liga para os familiares e pede para que eles compareçam na Santa Casa BH com os documentos da pessoa. “Não contamos por telefone que a pessoa morreu. Quando o familiar chega é que damos a notícia”, detalha a enfermeira Alessandra Camargo.
As reações dos familiares são diversas. No entanto, é preciso ofertar apoio para conter o choro. “É impossível mensurar o sentimento, cada um sabe onde a dor aperta”, completa a funcionária.
Empatia: objetos eternizam lembranças
Em meio ao sentimento de luto pela perda dos bebês, a equipe de enfermagem da Santa Casa BH oferece aos pais um “kit memória”. São objetos que permitem eternizar as lembranças físicas e emocionais da criança que morreu. “A gente acolhe esses pais e dá a liberdade para que eles fiquem o tempo que desejarem com o bebê. Se quiserem receber algum familiar, eles também podem. O corpinho só é encaminhado depois que os pais liberam”, detalha a enfermeira Thalita Maciel.
O kit memória é composto por uma touca, um par de sapatos de tricô, duas borboletas artesanais e uma carta impressa, onde pode ser feito o registro das digitais do bebê ou anexada uma mecha do cabelo. “Tudo é feito para amenizar esse sentimento de perda. A gente também oferece uma equipe de psicologia para acompanhar esses responsáveis”, acrescenta. A iniciativa é desenvolvida pela equipe de enfermagem da Santa Casa BH e pela UFMG.