O alimento que brota da terra é também o sustento e a oportunidade de uma melhor qualidade de vida para a agricultora Maria Silânia Gaspar, 62. As refeições da família, formada por ela, a filha e os quatro netos, são preparadas com alguns dos alimentos produzidos por ela na horta comunitária Coqueiro Verde, no Conjunto Paulo VI, na região Nordeste de Belo Horizonte. Parte dessas hortaliças e frutas também é comercializada com os vizinhos e em algumas feiras, espalhadas em seis regionais da capital mineira. A atividade, ainda que informal, gera uma renda extra de R$ 400,00 ao longo do mês para ela. Valor que, somado ao que ela ganha em outro trabalho informal e ao salário da filha, ajuda a garantir o acesso a serviços básicos, como energia, água e a custear a alimentação. “A horta me ajuda muito não só com essas despesas, mas também a me alimentar melhor e a distrair a minha cabeça”, relata. 

Podem participar das hortas comunitárias aqueles que fazem parte do Cadastro Único para Programas Sociais (Cad-Único), programa voltado para pessoas de baixa renda, com 308 mil famílias inscritas em Belo Horizonte. São grupos em situação de vulnerabilidade, onde cada membro sobrevive com cerca de R$ 660,00 ao longo do mês, valor abaixo da renda média da população brasileira, hoje em R$ 907,00. Na capital, cerca de 380 famílias sobrevivem como a de Maria: driblam a adversidade financeira se apoiando nas 66 unidades produtivas, entre hortas e agroflorestas, administradas pela prefeitura. Os espaços que ocupam 102 mil metros quadrados do território do município possibilitam a produção de hortaliças, árvores frutíferas, compostagem, entre outros, garantindo refeições e gerando renda.  

“Temos de tudo aqui, cebola, couve, banana, até maracujá. Eu levo para casa, para minha família, e sempre que possível vendo ou faço doações. Se tem o dinheiro, vai levar. Se não tem, vai levar também. Mas acho que consigo quase R$ 100,00 por semana”, conta o agricultor João Batista Coleta, 66. Ele é um dos mais antigos agricultores da horta comunitária do bairro Conjunto Paulo VI, instalada em 2019. A área, que anteriormente era ocupada por um aterro sanitário, reúne 18 famílias. “É um bem que não pertence só a esses agricultores, mas ao bairro todo. As pessoas procuram o que a gente produz. A gente consegue ajudar quem precisa e a fazer o nosso dinheiro, que acaba sendo gasto na região”, detalha o agricultor. 

As hortas comunitárias começaram a ser implantadas em Belo Horizonte durante os anos 90. O projeto ficou parado por quase duas décadas, e foi retomado em 2017 com o objetivo de incentivar a produção de alimentos saudáveis, além de promover a geração de renda para famílias em situação de vulnerabilidade e o desenvolvimento das regiões onde estes espaços estão instalados. A prefeitura fica como responsável pela escolha das áreas, além de fornecer capacitação técnica e insumos. Os agricultores escolhidos após o processo de cadastramento investem a mão de obra, principalmente com os cuidados de manutenção, como o cultivo das plantações e a capina do espaço. 

 

“A nossa ideia é que ao longo dos anos esses grupos possam se consolidar e que eles tenham renda suficiente para comprar os próprios insumos. Cada horta tem a sua particularidade. Alguns agricultores conseguem isso de forma muito rápida e outros precisam dessa assistência por um período maior. Mas a intenção é sempre promover essa independência”, afirma a subsecretária de segurança alimentar e nutricional de Belo Horizonte, Darklane Rodrigues.  

Para os próximos anos, outra proposta da prefeitura da capital é adquirir os alimentos produzidos nestas hortas comunitárias para o preparo das refeições em escolas da rede municipal e em outros ambientes públicos. “A gente tem as feiras e a venda na cerca, que é quando a pessoa vai até a horta e compra direto com o agricultor. A nossa ideia é comprar esses produtos para as escolas, por exemplo. São alimentos mais nutritivos, e a gente vai conseguir oferecer renda para quem está em situação de vulnerabilidade. Além disso, vamos contornar o problema do escoamento, que é um desafio para o pequeno produtor”, justifica. 

Veja fotos da Horta Coqueiro Verde:

Fotos: Flávio Tavares / O Tempo

 

Sustentabilidade em rede 

A dificuldade no processo de venda e transporte das mercadorias de pequenos produtores foi uma das motivações para a abertura do Empório Núcleo Lixo Zero, no bairro Santa Tereza, na região Leste de Belo Horizonte. Em uma casa antiga, que se contrasta com a robustez dos imóveis vizinhos da rua Anhanguera, cerca de 30 agricultores da capital e da região metropolitana podem comercializar seus produtos, como frutas, hortaliças, doces e geleias, entre outros. As atividades iniciaram em março deste ano (2023), a partir de uma parceria entre o coletivo rastafári Roots Ativa e a Coopesol Leste, uma cooperativa de catadores de recicláveis. 

“O pequeno produtor sempre tem essa dificuldade de saída. Então enxergamos essa possibilidade de oferecer esse trabalho em consignação. Eles deixam as suas mercadorias no empório e nós ficamos responsáveis por toda a parte da venda. As pessoas que moram no bairro procuram o local para comprar, e as feiras que organizamos aos finais de semana”, explica Thiago Lopes, 42, um dos fundadores do coletivo Roots Ativa e responsável pelo espaço da rua Anhanguera. 

Embora ainda seja desconhecido por uma grande parte dos moradores do bairro Santa Tereza, o Empório Núcleo Lixo Zero consegue movimentar mais de R$ 10 mil ao longo do mês. Essa quantia é dividida entre os responsáveis pelo local e também entre os 30 pequenos produtores, que deixam suas mercadorias no espaço. O recurso, no entanto, não é suficiente para custear as despesas. Por isso, uma outra alternativa encontrada para conquistar renda foi a reciclagem do lixo orgânico. 

O projeto consiste em um sistema de assinaturas, que atualmente conta com 100 inscritos. Nele, os moradores do bairro Santa Tereza pagam uma quantia mensal de R$ 53,00 para ter acesso aos baldes e garantir que os resíduos produzidos em suas casas tenham uma destinação saudável. O material sólido é transformado em compostagem, adubos e minhocário, enquanto o óleo vegetal é utilizado para a fabricação de sabão. Parte do adubo produzido é vendida, e o restante é destinado ao cultivo de frutos e verduras na sede do núcleo. Essas hortaliças também são comercializadas, e os assinantes têm direito a comprar os produtos com desconto. 

“É outra iniciativa que surge a partir de uma demanda, só que essa da comunidade do bairro Santa Tereza, que sempre pediu por coleta seletiva. Então quem participa desse sistema de assinatura consegue ter acesso ao serviço, e ainda atribui valor a ele, com essa quantia paga mensalmente”, afirma Thiago Lopes. Conforme o idealizador, além do sustento das nove pessoas que trabalham no espaço, o recurso arrecadado também gera renda para pessoas em situação de vulnerabilidade, que indiretamente colaboram com o serviço. “Ajuda até mesmo o catador. É um projeto que entende a função social da sustentabilidade, principalmente em um país tão desigual como o Brasil”, finaliza.

Oportunidades 

Para a analista de agronegócio do Sebrae Minas, Fabiana Santos Vilela, iniciativas que possuem a sustentabilidade como um dos princípios tendem a ganhar cada vez mais espaço e atrair mais consumidores. Isso porque, segundo a especialista, a sociedade está mais consciente quanto às necessidades de ações para enfrentar as mudanças climáticas. “As pessoas têm entendido a causa, e adotado isso como um critério. Então quando ela se torna cliente de um negócio que parte desse princípio, é também uma forma de reconhecimento”, avalia. 

Essa conscientização, conforme a analista do Sebrae, se exemplifica pelas constantes mudanças na legislação, que buscam incentivar as práticas socioambientais em todo o país. Neste ano, por exemplo, o Governo Federal prepara o Selo Verde Brasil para certificar produtos sustentáveis, que atendem a uma série de requisitos, entre eles a baixa emissão de carbono. Entre os objetivos da iniciativa está a intenção de facilitar o processo de produção e exportação, o que poderá diminuir os gastos destes produtores. 

“Seguir esses padrões de produção ainda é muito caro. Demanda um investimento inicial muito alto, e o empresário só irá sentir o retorno ao longo dos anos. Porém, o que percebemos é esse diálogo cada vez mais forte das prefeituras, além dos governos estaduais e federais sobre como colaborar com esses empreendimentos, por meio da legislação”, reforça Vilela. 

Outro dificultador se dá pela concorrência no mercado. Os alimentos orgânicos são, em média, 30% mais caros do que os convencionais, como apontado pela pesquisa do Departamento de Economia Rural (Deral), da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento (SEAB). Dos cerca de 100 produtos analisados, a maior diferença de preço entre convencional e orgânico é do quilo da manteiga, sendo o da orgânica R$ 11,51 mais caro. Entre frutas, verduras e legumes, as maiores variações de preços são do quilo da hortelã e do alho nacional, de R$ 8,83 e R$ 8,33, respectivamente. No caso do arroz, a diferença do preço entre convencional e orgânico é menor. O quilo do arroz convencional custa R$ 4,73, e o do orgânico sai a R$ 5,95 - variação de R$ 1,22. 

“O preço continua sendo o maior limitador do acesso da população a esses alimentos. Isso é um desafio porque temos uma população de baixa renda, que busca produtos mais baratos. A pessoa até está sensibilizada, mas não consegue adquirir o produto que gera um menor impacto ambiental”, reforça. Para a analista do Sebrae Minas, essas adversidades precisam ser consideradas entre aqueles que empreendem de forma sustentável. “Isso não pode ser algo desmotivador para o negócio, embora tenha que ser considerado ao definir o custo de venda. Existem iniciativas que conseguiram buscar alternativas para superar essas dificuldades, e que hoje se estabeleceram no mercado. É importante se inspirar nesses negócios para manter não só o empreendimento, mas principalmente a causa”, conclui.