Um local de respiro em meio ao cinza de um grande centro urbano. É assim que moradores do bairro Conjunto Paulo VI definem a agrofloresta Coqueiro Verde, instalada na região Nordeste de Belo Horizonte. Desde que foi instalada, em 2019, a área de 16 mil m² conseguiu reduzir em 2°C a temperatura média na regional. A ocupação de um espaço antes utilizado como aterro sanitário com árvores nativas e frutíferas, além de hortaliças, permitiu amenizar o clima neste que é um dos lugares mais vulneráveis ao calor na capital mineira.

“Um benefício não apenas em relação ao período mais quente, mas também para os meses com chuva. É um espaço que não foi impermeabilizado, permitindo a penetração da água e evitando alagamentos”, explica a subsecretária de segurança alimentar e nutricional da capital, Darklane Rodrigues, que também é uma das responsáveis por coordenar o projeto de agroflorestas e hortas comunitárias, que conta com 66 unidades distribuídas entre as nove regionais da cidade. 

O espaço do Conjunto Paulo VI foi idealizado como os objetivos de garantir alimentação saudável e gerar renda para pessoas em situação de vulnerabilidade, além de amenizar as mudanças climáticas ocasionadas pela expansão urbana e o desenvolvimento da cidade. Belo Horizonte, assim como outras metrópoles, sofre com as alterações no clima, principalmente por causa do forte calor e as chuvas intensas.

A capital teve o ano de 2023 como o mais quente de toda a sua história. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), foi neste período que a cidade registrou o dia com a maior sensação de calor, quando os termômetros marcaram 38,6°C em 25 de setembro. Outro recorde se deu pelo aumento da temperatura média de novembro, que saltou de 27,7°C para 32,5°C - uma crescente de 5°C quando se comparado a média histórica. 

“Se no passado a gente se preocupava que isso poderia acontecer, hoje é uma realidade. As ações para as questões ambientais e climáticas precisam ser urgentes”, afirma o servidor público Luis Gabriel, 33, morador do bairro Santa Tereza, na região Leste de Belo Horizonte. A regional onde ele reside concentra 10,6% da população e 9,4% dos domicílios da capital, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Por outro lado, tem apenas um parque, o Linear do Vale dos Arrudas. Ao lado da região Nordeste, é a que possui a menor quantidade destes equipamentos públicos. Os parques são instalados na cidade como estratégia para amenizar o calor, os ruídos do dia a dia, melhorar a qualidade do ar e facilitar a absorção e drenagem das águas pluviais. “Preocupa não ter mais parques, principalmente porque é preciso desenvolver microclimas melhores, apostar em áreas verdes. Ou a gente resolve isso de imediato ou não teremos saída, é a humanidade que está em jogo”, alerta. 

A Prefeitura de Belo Horizonte afirma que tem apostado na preservação das áreas verdes existentes e no plantio de novas árvores como forma de enfrentar as mudanças climáticas. Em 2022, foram plantadas 17.400 árvores em todo o município. A quantidade representa um aumento de 6% em relação ao ano de 2021, com 16.325. Ainda segundo a prefeitura, o Índice de Áreas Protegidas (IAP) também aumentou 38% entre 2020 e 2021. A área verde por habitante saltou de 17,08 m² para 23,59 m², valores que estão acima dos 12 m² aceitos como o mínimo para áreas urbanas, conforme determinado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). 

“A capital é considerada cidade jardim por causas dessas áreas verdes, mas precisa de forma urgente frear a expansão urbana, chegamos no nosso limite. É hora de preservar o que ainda temos de vegetação ou caso contrário vamos perdê-las, o que trará impactos para a qualidade de vida. Somado a isso, precisamos ampliar essas políticas de expansão das com árvores, parques e outros”, alerta a professora em biologia e sustentabilidade Fernanda Raggi.

O reordenamento territorial, com a preservação destes espaços verdes, é considerado pela especialista como uma forma de conter a poluição e amenizar os impactos do calor e da chuva. “Muitas dessas espécies nativas podem absorver o monóxido de carbono, que é importante no desenvolvimento de algumas árvores, e em troca elas devolvem oxigênio. Além da poluição, essas árvores também proporcionam mais segurança. Elas servem de barreiras físicas durante a chuva e ajudam a conter grandes ondas de ventos, o que protege os imóveis”, justifica.  

A emissão excessiva de gases, que intensifica o efeito estufa, resultando no aquecimento global e nas alterações climáticas, foi tema de uma audiência na Câmara Municipal de Belo Horizonte durante o mês de novembro. Os vereadores puderam apreciar um plano que prevê a redução de 20% da emissão desses gases até 2030. Essa quantidade dobraria em 10 anos, chegando a 100% em 2050. A diminuição se daria por meio da promoção de energias de fontes limpas, eficazes e renováveis para o transporte e para a iluminação pública, além do tratamento e da destinação adequada dos resíduos sólidos. Embora o projeto tenha sinalizado uma preocupação do poder público com as mudanças no clima e os impactos para a sociedade, ele foi rejeitado pelos parlamentares, que alegaram falta de diálogo entre o Executivo e o Legislativo municipal. 

“É uma questão que não pode mais ser ignorada, principalmente por disputas políticas. A cidade que possui áreas verdes consegue diminuir os impactos dos temporais, garantindo impermeabilização. Outro benefício é o enfrentamento a essas ilhas de calor. As árvores promovem evapotranspiração, aumentando a umidade relativa do ar e também a quantidade de vapor da atmosfera. Então isso é algo que precisa ser levado a sério, e não apenas a preservação e o plantio árvores, mas também o desenvolvimento de políticas públicas para a coleta e o tratamento adequado do lixo”, conclui a especialista. 

O lixo como um desafio 

Somente em 2023 foram recolhidas 372 mil toneladas de lixo em residências de Belo Horizonte. Conforme a Superintendência de Limpeza Urbana (SLU), 49% é de orgânicos, 35% de papel, metal, plástico e vidro, e 16% de outros materiais. Do total destes resíduos, apenas 35% possuem potencial para reciclagem. "A coleta seletiva ainda é um desafio na cidade, ela tem seus limites. Muitas das vezes porque as pessoas ainda não têm consciência da necessidade desse serviço", alerta Thiago Lopes, 42, um dos fundadores do coletivo Roots Ativa, que desenvolve um trabalho de reciclagem no bairro Santa Tereza, na região Leste da capital.  

 

De acordo com o levantamento da Superintendência de Limpeza Urbana (SLU), a coleta seletiva do município consegue arrecadar apenas 18% dos materiais com potencial para reciclagem. A prefeitura recolhe aproximadamente 3% destes resíduos e as empresas privadas os outros 15%. "A questão do lixo precisa ser uma política pública, a prefeitura precisa dialogar mais com os grupos que têm essa iniciativa. É buscar maneiras e formas de solucionar esse problema, considerando que cada regional tem suas características próprias", acrescenta.  

A fim de amenizar os prejuízos que ocorrem pelo descarte irregular do lixo e com o objetivo de atender uma demanda antiga dos moradores do bairro Santa Tereza, que não tinham acesso a coleta seletiva, Thiago Lopes idealizou junto ao coletivo rastafári Roots Ativa e a Coopesol Leste, uma cooperativa de catadores, um projeto para recolher e reciclar os resíduos produzidos por quem reside na região. A iniciativa possibilita aos assinantes do programa descartarem de forma adequada o lixo acumulado em casa. Atualmente, são cerca de 100 famílias inscritas. Elas pagam uma quantia mensal de R$ 53 para ter acesso aos baldes que são encaminhados ao espaço onde é feita a reciclagem.  

"Separamos os materiais orgânicos em um baldinho e os demais em outros. Dá um trabalho, mas é algo prazeroso e educativo para os nossos filhos", conta o servidor público Luis Gabriel, 33, que é morador do bairro e assinante do projeto. Ele conheceu a iniciativa no período de crise sanitária provocado pela pandemia da Covid-19. Durante os anos de recolhimento, em que as famílias passaram a maior parte do tempo em casa, o servidor público, a esposa e os dois filhos decidiram aumentar os cuidados em relação ao lixo produzido por eles. "É algo que faz repensar as nossas necessidades de consumo e produção. Você percebe, por exemplo, que não precisa colocar a mesma quantidade de comida no prato, porque vai sobrar. Vê também que está usando muito papel. É uma reflexão que te permite entender que o princípio da reciclagem é a recusa", completa.  

O descarte adequado do lixo, além de possibilitar a reciclagem desses materiais, diminui os riscos de doenças transmitidas por vetores, como ratos e moscas. Outro benefício é a redução das possibilidades de alagamentos em períodos chuvosos. Isso porque os materiais jogados em córregos e nas ruas entopem parte das mais de 65 mil bocas de lobo instaladas na cidade, impossibilitando a microdrenagem - que consiste em coletar e conduzir a água pluvial. Conforme a prefeitura da capital, até o fim do mês de outubro deste ano, 1.567 toneladas de resíduos foram recolhidas nas bocas de lobo. 

Para a especialista em sustentabilidade Fernanda Raggi, iniciativas como a de Thiago e a consciência da família de Luis são essenciais para a sociedade moderna, que tem se tornado refém das constantes mudanças climáticas, provocadas, em sua maioria, pelo crescimento desordenado das cidades e da indústria. "As grandes cidades precisam entender que os ambientes urbanos também são um meio ambiente. Se a gente provoca esse desequilíbrio, em relação as áreas de preservação e a não destinação correta do lixo, estamos destruindo a nossa relação com o ambiente como um todo", conclui. 

Veja fotos do Núcleo Lixo Zero

Fotos: Flávio Tavares / O Tempo