Depressão

Celebridades são vulneráveis

Estudos mostram traços de personalidade mais sensível e contraditória

Por Da Redação
Publicado em 27 de agosto de 2017 | 03:00
 
 
A modelo Cara Delevingne confessou que chegou a pensar em morrer Foto: AFP PHOTO / JUSTIN TALLIS

Não é frescura, não é tristeza. Hoje, no mundo, 322 milhões de pessoas sofrem de depressão, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Destas, 11,5 milhões vivem no Brasil (5,8% da população), o país mais deprimido da América Latina. Ainda de acordo com a OMS, em 2030, a doença vai superar o câncer, o Acidente Vascular Cerebral (AVS), as guerras e os acidentes como principal causa mundial de incapacidade e morte.

No entanto, para o psiquiatra e professor francês Michel Reynaud, apesar da fama e da fortuna, as celebridades podem ser mais vulneráveis à depressão do que o restante da população. Segundo ele, existe uma ligação entre talento criativo, depressão e dependência. “Os artistas são, muitas vezes, pessoas mais sensíveis, que sentem emoções com mais força. Isso pode render grandes escritores, poetas e músicos, mas também ansiedade, depressão, angústia e distúrbios do humor”, disse.

Estudo publicado no “Journal of Phenomenological Psychology” , em 2009, demonstrou que o privilégio e a “imortalidade simbólica” de todo artista trazem consigo um preço a se pagar, principalmente pelo estado mental inerente à profissão, que isola as pessoas, torna-as desconfiadas em relação a outros, e que pode levar a um conflito entre a celebridade e a pessoa privada.

Pesquisadores da Universidade de Oxford, na Inglaterra, também investigaram 523 comediantes (404 homens e 119 mulheres) do Reino Unido, dos Estados Unidos e da Austrália e descobriram que eles têm um perfil de personalidade “contraditório”.

“Por um lado, eram bastante introvertidos, depressivos e, poderíamos dizer, esquisitos. Por outro, bastante extrovertidos e cheios de manias. Talvez a comédia – o lado extrovertido – seja uma forma de lidar com o lado depressivo”, afirmou Gordon Claridge, do Departamento de Psicologia Experimental da universidade.

Quebrando barreiras. A depressão ainda é uma doença vista com muito preconceito e estigma. Mas, recentemente, algumas celebridades, atores, músicos e modelos decidiram quebrar esse tabu e falar publicamente em suas redes sociais sobre o assunto – o que antes parecia ser impensável.

A cantora Selena Gómez chegou a se internar voluntariamente devido a crises de depressão e ansiedade, e a modelo Cara Delevingne confessou que chegou a pensar em morrer para sair da depressão. No Brasil, a atriz Cássia Kis Magro sempre falou sobre a depressão e a bipolaridade.

Uma pesquisa feita em 2014 por uma organização britânica, que trabalha com temas de saúde mental, sugeriu que a sensação de proximidade entre os famosos e seus seguidores pode ter ajudado nessa abertura. Um estudo feito com 2.000 entrevistados mostrou que 28% deles falaram sobre um problema psiquiátrico com um ente querido como consequência direta de uma declaração feita por um famoso. Além disso, outros 25% que ouviram uma celebridade falar sobre o tema acabaram pedindo ajuda.

Para os especialistas, falar sobre a depressão já é um passo importante. Eles estimam que uma pessoa que sofreu algum episódio de depressão tem 50% de chance de ter o segundo. Se foram dois, a propensão a um terceiro sobe para 70%.

Segundo o doutor em psicologia Jacob Pinheiro Goldberg, muitos dos artistas que o procuram chegam ao consultório manifestando no corpo todos os sintomas em relação a esse processo. “Insônia, mal-estar e dor física sem causa específica, estado de ansiedade, compulsão alimentar ou inapetência são os principais”, afirma.

‘Fama em si é vazia e solitária, não fornece o brilho da TV’, diz psicóloga

As pessoas se viciam na fama, da mesma forma que se tornam dependentes de outras situações e experiências neurológicas, conforme analisa a psicóloga norte-americana especialista em saúde mental de celebridades Donna Rockwell.

Ela explica que os neurônios se formam em resposta ao ambiente. Assim, uma pessoa pode se tornar viciada em esperar determinado nível de atenção e viver dessa sensação de ter pessoas que a amam. Para a especialista, os famosos esperam isso a todo momento.

Em entrevista ao “The New York Times”, ela explicou esse paradoxo da fama. “Assim como drogas e álcool, uma vez que você se torna viciado, você não pode viver sem aquilo. Mas você também não pode viver com ele. As celebridades descrevem a fama como ‘um animal em uma gaiola’, ‘um brinquedo em uma vitrine’, por não poderem desistir”, disse ela.

Para Donna, a fama objetifica o famoso. “A fama em si é vazia e solitária e não fornece o brilho que é mostrado na televisão ou na internet”, complementa.

O doutor em psicologia Jacob Pinheiro Goldberg acredita que o fenômeno se agravou com a internet. “Agora a vida pessoal é exposta instantânea e simultaneamente por todo mundo. Nós vivemos a época em que a fama e o poder passaram a ter mais fascínio até do que o dinheiro, e isso passou a ser a grande moeda que calibra o valor da pessoa, infelizmente”, afirma o especialista.


Minientrevista

Fernando Fernandes
Coordenador do programa de transtornos de humor
Faculdade de Medicina da USP

A medicina já conhece alguma relação entre a fama e a depressão?

Não. O que acontece é que em torno de 18% de todas as pessoas no mundo vão ter, ao longo da vida, algum episódio depressivo, o que significa um número grande, quase uma em cada cinco pessoas.

Por que alguém que parece ter tudo tem depressão?

Mesmo os eventos positivos podem atuar como fatores estressores, e, se a pessoa já tiver a predisposição, isso pode desencadear o episódio depressivo. É comum achar que a depressão tem que ser consequência de alguma situação adversa, mas a doença também pode aparecer em pessoas que têm a vida boa.

O alcoolismo e o abuso de drogas aumentam o risco de depressão, assim como o de suicídio?

Entre as doenças mentais mais relacionadas ao suicídio, a depressão é a principal. As outras são o transtorno bipolar e a esquizofrenia. E, se juntar a doença psiquiátrica e o abuso de álcool e drogas, isso multiplica os riscos de depressão.

As crises, os altos e baixos e a fama repentina elevam as chances da doença?

As adversidades da vida podem agir como desencadeantes do quadro depressivo, mas não são a causa. Em pacientes com depressão os fatores estressores (desemprego, problemas com a Justiça, cair no esquecimento) podem aumentar o risco de suicídio.