Um dos mais polêmicos filmes do diretor dinamarquês Lars von Trier, “Anticristo”, de 2009, protagonizado por Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg, começa com uma cena perturbadora: um casal que não interrompe o sexo no chuveiro diante do choro do filho. Embora bem menos dramáticas, situações similares não são incomuns na vida de casais com filhos pequenos.

“Uma criança altera a rotina como um todo. Também precisamos levar em conta a organização do casal e o próprio cansaço da rotina”, diz a sexóloga Leni Oliveira, para quem “manter a intimidade deve ser um desejo do casal”. “Ambos devem se organizar e cooperar, sem deixar a responsabilidade apenas para uma pessoa”, observa, defendendo uma atitude conjunta dos envolvidos na pendenga.

Fato é que a presença de uma criança pequena, ou mesmo um bebê, inibe muitos casais de praticarem sexo. A mera ideia de que há alguém presenciando o ato, ainda mais quando se trata de um filho, pode levar a sentimentos constrangedores de vergonha e inadequação, atrapalhando a libido e a excitação.

Leni aponta que, “assim como o casal deve se organizar para fazer sexo caso tenha filhos”, o mesmo vale para quem convive com animais de estimação, que, como “seres naturalmente curiosos, podem perceber o sexo como uma forma de agressividade”, o que incluiria nessa equação problemas para além do constrangimento, como o próprio risco físico aos praticantes do ato. E aí não convém pagar para ver se cão que late não morde mesmo.

Estratégias possíveis 

Logo, a especialista afirma que, ainda que “as estratégias variem de casal para casal, é importante lembrar que não se deve fazer sexo no mesmo ambiente que crianças ou animais de estimação”, salienta. “Os ruídos, a movimentação, com certeza serão percebidos, e eles podem interpretar essa situação de diversas maneiras. No entanto, dificilmente verão como uma expressão de maior amor ou afetividade”, considera Leni. 

Outro fator que pode interferir na dinâmica sexual do casal é a presença de visitas. Quem já teve a casa invadida pelos gemidos vindos do apartamento ou da casa vizinha deve imaginar o que acontece quando essa proximidade é mediada apenas pelas paredes. O que inicialmente soa cômico, aos poucos pode converter-se numa tensão…

“Essas presenças interferem na performance e na intimidade. Imagine que desagradável você ser hóspede na casa de alguém e sentir que está atrapalhando algo?”, questiona a sexóloga. Em última análise, Leni prega o autocontrole diante de uma vontade tentadora. Afinal de contas, as visitas são passageiras, e, mais cedo ou mais tarde, o ambiente estará liberado para o casal retornar à sua rotina.

Outra solução, principalmente em se tratando de filhos e animais domésticos, é transformar a limitação em possibilidade, aproveitando a “pedra no caminho” para dar asas à imaginação e criatividade. Nessas horas, inovar com uma ida ao motel pode funcionar. E Leni postula que, “repensar as formas como fazemos sexo é repensar a própria vida”.

Intimidade

A sexóloga faz questão de diferenciar duas noções que, aparentemente, podem ter o mesmo sentido. “Eu acho sexo algo bastante íntimo, mas não tem, necessariamente, relação com intimidade”, pondera. Ainda que a consumação do ato obedeça, na maioria das vezes, a certos cuidados, como se atentar à presença de estranhos ou pessoas muito próximas, como filhos e mesmo animais de estimação, Leni argumenta que “é possível praticar sexo com alguém que você nem sabe o nome”.

“Sexo sempre foi um tema que vende bem e, acredito que essa exposição excessiva da contemporaneidade esteja mais voltada para isso. As pessoas vendem a sua imagem, vendem a si mesmas e o sexo pode fazer parte dessa performance de exposição, que transforma a questão num assunto que pode render muito”, avalia Leni.

Entretanto, a sexóloga não acredita que “a vida altamente vigiada” de hoje em dia, com câmeras de segurança em todos os lugares, do ambiente de trabalho a ruas e shoppings, sem contar as próprias redes sociais, em que a exibição do privado é a norma, tenha uma relação direta com as maneiras de lidar com a sexualidade atualmente.

“Acredito que possa ter inibido algumas coisas que as pessoas faziam, e, por outro lado, aflorado outros comportamentos naquelas que gostam de serem vistas, mas, não necessariamente, esse quadro tem uma relação direta com a sexualidade”, opina. Nelson Rodrigues se dizia um “anjo pornográfico” que espiava os outros pelo buraco da fechadura. Dessa disposição nasceram clássicos do dramaturgo brasileiro…

Pessoas que gostam de se exibir apreciam espectadores durante o sexo 

Enquanto algumas pessoas se sentem incomodadas e até travam durante o sexo se percebem ou intuem a presença de alguém alheio ao ato, incluindo os próprios filhos e animais de estimação, há aquelas que apreciam essa presença, sendo conhecidas pelo exibicionismo.

A sexóloga Leni Oliveira conta que esse comportamento tem o nome de parafilia, que diz respeito a preferências sexuais que costumam fugir à norma. “Estamos falando de pessoas que são exibicionistas…”, elucida a especialista em sexo.

Ela pontua que, ao passo que algumas pessoas “conseguem ficar na fantasia, imaginando serem pegas no flagra ou serem vistas durante todo o ato sexual, existem grupos que se organizam para poder vivenciar essa experiência”, levando a idealização para a realidade, colocando em prática desejos muitas vezes reprimidos pelos tabus sociais.

“Esses grupos normalmente são compostos por pessoas exibicionistas e voyeuristas”, informa. Os voyeuristas seriam aqueles que se excitam observando os outros, num encontro que uniria, em termos metafóricos, o “útil ao agradável”. “Ali se encontram pessoas que gostam de assistir a pessoas que gostam de se exibir”, resume Leni. Fundamental é que seja tudo consensual, respeitando sempre os limites do outro.