Esotérico

Dora Incontri traz legado de Kardec para o século XXI

As bases da filosofia espírita que podem jogar luz sobre a atualidade

Por Ana Elizabeth Diniz
Publicado em 16 de abril de 2024 | 03:00
 
 
Dora Incontri publica o livro “Kardec para o Século 21” Foto: Arquivo Pessoal

O francês Allan Kardec, o codificador da doutrina espírita, morreu há mais de 150 anos e deixou um vasto legado. De lá para cá, o mundo passou por profundas transformações. Será que suas ideias podem ajudar o mundo atual?

Essa é a ideia do recém-lançado “Kardec para o Século 21”, de Dora Incontri, jornalista, mestre, doutora e pós-doutora em filosofia da educação pela Universidade de São Paulo, sócia-fundadora da Editora Comenius, além de dirigir uma experiência de educação alternativa, a Universidade Livre Pampédia.

A obra é um diálogo entre o espiritismo e o pensamento contemporâneo. “Trata-se de um livro que foi sendo escrito no decorrer dos últimos dez anos, entre avanços e paradas, por diversos motivos, mas isso serviu para um amadurecimento das ideias e do próprio tempo histórico”, comenta a escritora.

Para ela, no entanto, a publicação sai no momento certo, “com intenção de colocar Kardec em diálogo com nossos tempos”. “Primeiro, situando-o no seu século, compreendendo seus condicionamentos históricos e seus limites. Depois, apresentando aquilo que é atemporal, que é mais sólido da filosofia espírita para debatermos com ideias atuais e com perplexidades que enfrentamos hoje”.

Dora considera que, na obra de Kardec, há coisas datadas, que exigem que sejam usadas “lentes críticas” de modo a atualizá-las. “Mas há contribuições ainda muito pertinentes e atemporais, que só Kardec trouxe e que é preciso ressaltar. Por exemplo, o seu trato com a mediunidade, como lidar de forma segura, ética e produtiva com ela; a questão da reencarnação numa dimensão evolucionista e pedagógica; a possibilidade de investigarmos cientificamente os fenômenos mediúnicos; a retomada de uma ética inspirada em Jesus, sem os dogmas e mitos das igrejas”.

Kardec foi um educador que estudou cientificamente o fenômeno mediúnico. Pergunto a ela se, de alguma forma, seu legado foi subvertido ao se transformar em uma religião.

“A questão da religião é complexa, e eu analiso esse assunto detidamente no livro. Kardec não pretendia que o espiritismo se transformasse numa religião, no sentido tradicional do termo, com dogmas, hierarquias, rituais. Mas, ao mesmo tempo, ele escreveu ‘O Evangelho segundo o Espiritismo’, em que preconizava a oração. Ele mesmo tinha uma inclinação bastante religiosa”, comenta Dora.

Segundo ela, há atualmente um sem-número de manuscritos inéditos do pensador francês, que estão sendo transcritos, traduzidos e publicados pelo Projeto Kardec (https://projetokardec.ufjf.br), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

“Muitas preces, pensamentos que demonstram a religiosidade de Kardec. Então, minha proposição nesse livro é que assumamos uma palavra, que não era usada no seu tempo e que traduz perfeitamente o que Kardec queria para o espiritismo: espiritualidade. Aliás, uma espiritualidade livre e crítica. Mas, sim, no Brasil, o espiritismo se transformou numa religião, no sentido bem fechado do termo, num modo que não pretendia Kardec”, observa a autora.

Ela sustenta que essa obra “pretende também intervir na realidade, ajudando a mudar o rumo do movimento espírita”, de que ela faz parte, “mas que perdeu em grande parte horizontes de transcendência, de criticidade, de racionalidade”. “Kardec e os espíritos que com ele dialogam deixaram bem claro que o espiritismo pretendia ser um agente de transformação da sociedade”.

E emenda: “Em termos cristãos, podemos dizer que devemos nos empenhar na implantação do reino de Deus no mundo. Mas o movimento espírita brasileiro, justamente por ter-se tornado essa religião à moda dogmática, se tornou conservador, não engajado em ideias progressistas, que propõem mudanças no mundo”.

Dora finaliza comemorando que, nos últimos anos, tem, “felizmente, visto brotar diversos movimentos internos, chamados de ‘progressistas’ (e esse foi um termo que Kardec usou para qualificar o próprio espiritismo), que trabalham de forma mais questionadora e aberta, colocando-se em diálogo com os problemas contemporâneos”. “Mas nós, da Editora Comenius e da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita (mantenedora da Universidade Livre Pampédia) já estamos nessa caminhada há mais de 20 anos. ‘Kardec para o século 21’ é um marco decisivo de todo esse trabalho”.

Lançamento

“Kardec para o Século 21”

Dora Incontri

Editora Comenius

321 páginas

R$ 95

Onde comprar: https://editoracomenius.com.br

Protagonismo de Joana d’Arc e Maria Quitéria

Isabelle Anchieta, doutora em sociologia pela Universidade de São Paulo e mestre em comunicação social pela Universidade Federal de Minas Gerais, lança “Revolucionárias: Joana d’Arc e Maria Quitéria” no Sempre um Papo, com mediação de Leila Ferreira.

 

Crédito: Rodolfo Guilherme/Divulgação

 

Joana d’Arc e Maria Quitéria foram ícones da independência de seus países. Há outro traço que una a trajetória dessas mulheres? Além do fato de elas serem heroínas nacionais e terem suas imagens confundidas com a construção da nação francesa (Joana d’Arc) e, de certa forma, com menos força no caso da nação brasileira (Maria Quitéria); elas foram mulheres que seguiram sua vocação primeira e conseguem, a despeito de toda ordem de impedimentos, subverter o sistema a favor delas. O livro aborda a importância dessa luta por ser o que elas eram e o que isso implicava. Era uma luta não apenas por uma realização pessoal, mas por um futuro comum.

Como você analisa a religiosidade de Joana d’Arc? Entender a formação católica de Joana d’Arc é central para entender sua personalidade. E, para isso, sua mãe, Isabelle Romée, terá um papel central. Era uma mulher analfabeta, mas que vai compartilhar sentidos profundos da religião católica. É um erro menosprezar tanto as religiões quanto seus fiéis e a capacidade que elas têm de oferecer um entendimento sobre o mistério da vida, entender o absurdo dessas zonas incompreensíveis da vida. O que vai oferecer para Joana d’Arc uma fé é esta ideia de uma aposta no futuro, de enfrentar os absurdos da vida e as injustiças. E ela vai levar isso a cabo.

Qual o maior legado dessas mulheres? Foi um legado duplo: a luta por se autodeterminar em contextos em que isso não era favorável. Elas sedimentam a revolução moderna das mulheres, que é esta por meio da qual podemos escolher o parceiro, o trabalho, a profissão, as possibilidades de ser, em grande medida, construídas por essas mulheres que enfrentaram o sistema. Falta a nós uma luta por um futuro comum, tentar consensos ainda difíceis em uma sociedade tão polarizada. Elas encontraram, em meio aos conflitos, uma comunidade afetiva, algo em comum, o que é fundamental.

AGENDA: Sempre um Papo recebe Isabelle Anchieta, com mediação de Leila Ferreira, hoje, às 19h30, para um debate e o lançamento do livro “Revolucionárias: Joana d’Arc e Maria Quitéria”. Auditório da Cemig, na avenida Barbacena, 1.200. Ingressos: https://www.sympla.com.br/produtor/sempreumpapo.

Lançamento

“Revolucionárias: Joana d’Arc e Maria Quitéria”

Isabelle Anchieta

Editora Planeta

336 páginas

R$ 80,90