Bem-estar

Entenda como a arquitetura pode ajudar a saúde mental

Um lar que reflita individualidades, que seja funcional, seguro e aconchegante pode refletir diretamente na qualidade de vida das pessoas

Por Da Redação
Publicado em 05 de outubro de 2023 | 07:00
 
 
Neuroarquitetura é um campo que busca projetar ambientes eficientes que são baseados não só em parâmetros técnicos, mas também que levem em conta índices subjetivos como a emoção, a felicidade e o bem-estar das pessoa Foto: Shutterstock

No início do mês de setembro, a internet acompanhou ávida o caso da influenciadora que reformou um apartamento alugado e que, tempo depois da obra, acabou tendo que devolvê-lo por não conseguir arcar com o novo valor do aluguel. Toda a saga foi compartilhada por Dora Figueiredo em uma série de vídeos postados no TikTok. Ao longo do conteúdo, ela falava não apenas sobre o aluguel, mas desabafava sobre os perrengues vividos durante a reforma. 

Embora uma das questões que tenham chamado a atenção do público tenha sido a decisão da influenciadora de reformar uma kitnet que não era dela, mas que pretendia comprar posteriormente, outros pontos do relato da influenciadora também podem ser considerados. Mesmo que ela tenha se animado com o resultado final da reforma - Dora chegou a compartilhar registros do imóvel em suas redes sociais, chamando-o de “apartamento de revista" - a influenciadora pontuou que, após um tempo vivendo no local, a kitnet acabou lhe rendendo “dor de cabeça”. 

“Comecei a perceber que isso aqui [a kitnet] era um cenário, um cenário belíssimo, um cenário lindíssimo para tirar foto e fazer vídeo, mas não para morar”, desabafou em um dos vídeos postados no TikTok, ressaltando a falta de funcionalidade e a falta de espaço do ambiente. 

A questão pontuada por Dora escancara um desafio que tem sido enfrentado por muitos arquitetos nos últimos anos: o desejo de que os lares sejam quase que ambientes “instagramáveis”. “Essa é uma das coisas que mais acontece hoje, as pessoas acham que o Pinterest e o Instagram são projetos. Mas na realidade temos que entender a rotina da pessoa. Às vezes o que está nas redes não funciona para o cliente e precisamos avisar. Temos que mesclar as referências com a necessidade de cada um”, explica a arquiteta Mariana Gontijo. 

Em apartamentos alugados, como no caso da influenciadora, algumas medidas podem ser tomadas para que a transformação funcione melhor. “Será que vale a pena fazer uma reforma tão grande? Ou é melhor pensar em um projetos com móveis que possam ser reaproveitados depois, em detalhes que farão a diferença?”, questiona. 

Trabalhando com algo que é conhecido como neuroarquitetura - área que busca projetar ambientes eficientes que são baseados não só em parâmetros técnicos, mas também que levem em conta índices subjetivos como a emoção, a felicidade e o bem-estar das pessoas -, Mariana ressalta a importância de que os projetos, reformas ou até mesmo construções do zero, levem em consideração vários fatores. “A gente tenta entender o que é valorizado pelo cliente, como ele funciona fora e dentro de casa, o que cada cantinho do lar significa para ele”, afirma. 

Como explica a arquiteta, os projetos devem levar em conta também o próprio comportamento das pessoas. Há quem goste de receber muita gente em casa, há quem prefira ficar sozinho - e, neste caso, vale compreender o que a pessoa faz quando está sozinha. No caso de alguém que goste de cozinhar, por exemplo, um espaço mais completo na cozinha pode ser o mais adequado. 

“Pensamos desde a parte construtiva, seja com um ambiente mais aberto, seja com um mais fechado, até o uso de cores mais claras ou mais escuras. Na parte de interiores, é necessário avaliar se faremos algo mais planejado ou não. Se é um cliente que gosta sempre de mudança, precisamos permitir isso. Há quem goste de coisas mais minimalistas também, quem prefira um ambiente mais completo e mais cheio”, enumera. 

Embora a casa deva refletir as individualidades e especificidades dos clientes, a arquiteta conta que alguns detalhes e escolhas costumam ser mais gerais, principalmente na busca por ambientes mais aconchegantes. “Nas nossas residências quase não utilizamos mais luzes brancas e optamos pelas amarelas, que trazem um aconchego. Também buscamos elementos da natureza, formas orgânicas, evitamos o uso de quinas não só pela segurança, mas também para trazer mais fluidez”, explica. 

Cores mais quentes, plantas e elementos mais naturais também têm sido artifícios na busca por um cantinho mais confortável. “Assim, a gente sai um pouco daquela coisa de cidade de pedra, trazendo um pouquinho da natureza e do campo, porque isso traz uma receptividade maior, deixa o ambiente mais leve”, observa. 

Casa é nosso lugar no mundo

Mariana Gontijo reitera a necessidade de que a arquitetura considere como as pessoas se sentem nos ambientes. “A neuroarquitetura fala sobre como os espaços que estamos inseridos interferem nas nossas funções cerebrais e, consequentemente, na nossa forma de se sentir nesses locais. Então, quanto mais projetos pensados em como vamos nos sentir nos lugares, quanto mais aconchegantes eles forem, melhor será a forma como vamos nos sentir, melhor será a nossa qualidade de vida e a forma de percepção do local”, diz. 

Para além dos sentimentos provocados pelos ambientes, vale destacar também o papel que eles podem desempenhar na vida das pessoas, principalmente a nossa casa. “Pensar no nosso lar, é pensar na nossa construção enquanto pessoas individuais, pensar no nosso lugar no mundo, onde criamos a ideia de pertencimento”, afirma o psicólogo João Gabriel Grabe. “Nossa vida é baseada em nossas experiências no mundo, com as pessoas, lugares, ideias e ideais, sejam elas positivas, sejam negativas. Nesse sentido, o nosso lar passa a ser o local em que podemos ser nós mesmos, sem a necessidade de vestir máscaras para reprimir ou até mesmo suprir as demandas da sociedade. Podemos pensar no nosso lar como nossa zona de conforto, onde podemos chorar sem nos preocupar com quem está vendo, onde podemos cantar sem nos importar com o que as pessoas acham ou pensam, onde podemos fazer tudo aquilo que nos faz bem, sem que haja um outro para nos reprimir”, acrescenta.  

Ele pondera, porém, que apesar de ser algo individual, o lar pode também estar associado ao coletivo, o que pode gerar alguns problemas. “Nem sempre nos sentimos pertencentes ao lar dos nossos pais ou familiares, por exemplo. Então, às vezes é necessário que seja construído algo novo, onde a liberdade prevaleça e dentro dessa perspectiva podemos pensar no quanto estar em um lar onde nos sentimos pertencentes é extremamente necessário para a nossa saúde mental, pois nesse espaço nos ocupamos com tudo aquilo que é nosso e não do outro, sem preconceitos, sem regras que não dizem de nós mesmos e sem repressões”.