Comportamento

Mobilização de dentro de casa dá força a protestos

Pesquisa comprova que articulação nas redes foi decisiva para movimentos nos EUA e na Turquia

Por Da Redação
Publicado em 31 de janeiro de 2016 | 04:00
 
 
Mobilização em Istambul, naTurquia:internet é crucial no país cujos meios de comunicação são controlados Foto: AFP PHOTO/BULENT KILIC

O papel fundamental da mobilização online no ativismo das ruas foi comprovado em um novo estudo norte-americano. A pesquisa, conduzida pelos professores Sandra Gonzáles-Bailón e Pablo Barberá, analisou milhares de tuítes sobre o movimento Occupy, de 2011, nos EUA, sobre os protestos do Parque Gezi, de 2013, na Turquia, e o movimento dos Indignados, de 2012, na Espanha.

O que eles descobriram foi que os chamados “participantes periféricos” – ou seja, aqueles que ficam de casa repassando as informações para seus círculos de amigos e conhecidos – têm um papel fundamental. “(Eles) são essenciais para aumentar o alcance das mensagens dos protestos e para gerar conteúdos online em níveis que são comparáveis aos participantes principais (os que estão, de fato, nos protestos)”, diz o texto do artigo, publicado no periódico “PlosOne”.

No caso dos protestos na Turquia, a movimentação online foi essencial para que as pessoas do próprio país e do exterior soubessem o que estava, de fato, acontecendo. “A informação circulava amplamente do centro para a periferia, permitindo que muitos participantes que não estavam nas ruas soubessem, em tempo real, o que estava acontecendo em campo. O acesso a informações atualizadas é extremamente importante na Turquia, país onde os meios de comunicação são fortemente controlados”, explicam os pesquisadores.

O mesmo raciocínio vale para os movimentos do Occupy Wall Street e dos Indignados, da Espanha. “A atividade que vem da periferia é desproporcionalmente maior, não só em números de usuários, mas em número de mensagens agregadas”, garantem os estudiosos.

Boicote. Outro exemplo de ativismo na rede diz respeito ao uso de mão de obra escrava por marcas de roupas. A visibilidade que o assunto ganhou pela propagação de reportagens e artigos nas redes sociais fez com que marcas, como a espanhola Zara, virassem alvo de protestos e de boicotes por parte dos consumidores.

Para a pesquisadora brasileira Patrícia Rossini, as redes sociais dão voz a atores que, antes, eram ignorados. “Isso é importante, não só pela visibilidade, mas para dar conhecimento a certos problemas. A visibilidade começa a ser tanta, que impede que os problemas continuem a ser ignorados. É nesse ponto que o ativismo de sofá começa a ter efeito”, defende ela, que é membro do grupo de pesquisa em Mídia e Esfera Pública da UFMG.

Entretanto, para ela, as ações online nem sempre são suficientes sozinhas. “Sobretudo medidas que necessitam chamar a atenção do poder político não podem prescindir de uma etapa presencial”, afirma. 

Cyberativismo ganha maior relevância

Os pesquisadores norte-americanos também analisaram discussões sobre o Oscar de 2014 e o aumento do salário mínimo nos EUA, constatando resultados semelhantes à análise dos movimentos de ocupação popular.

FOTO: AFP
Ações de Julian Assange deram novos contornos ao termo “ativismo de sofá”

Em ambos os casos, foram considerados “centrais” os usuários que produziam conteúdo sobre os temas, e, “periféricos”, aqueles que reproduziam esse conteúdo. No caso do Oscar, os periféricos foram muito mais relevantes para a discussão. “Os centrais são virtualmente invisíveis sob a sombra dos periféricos”, afirmam os pesquisadores.

Nas discussões sobre o salário mínimo norte-americano, essas proporções mudaram um pouco, mas os resultados continuaram os mesmos. “O centro é ligeiramente mais proeminente na rede do salário mínimo, mas, novamente, removendo os primeiros centros causa um efeito maior na atividade em si do que no alcance”, descrevem os pesquisadores. Isso significa dizer que, mesmo desconsiderando os primeiros produtores de conteúdo, o alcance das informações seria o mesmo, só por causa dos periféricos que retuitaram os conteúdos.

Wikileaks. Na maioria dos casos, o termo “ativismo de sofá” refere-se a ações que exigem pouco esforço e pouco envolvimento por parte de seus atores. No entanto, em 2010, o cyberativista Julian Assange levou o termo para outro nível com os polêmicos vazamentos promovidos por sua organização, Wikileaks.

“A obtenção e o vazamento dos documentos foram realizados via internet, sem mobilizações de rua. E seus efeitos foram, em muitos casos, devastadores. Por isso, o Assange continua refugiado até hoje na embaixada do Equador (em Londres) e ameaçado por denúncias muito questionáveis”, defende o professor Francisco J. Paoliello Pimenta, membro permanente do programa de pós-graduação e professor titular da faculdade de comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora.