EDUCAÇÃO

Escolas alternativas são opção para alunos que não se enquadram no método tradicional

Muitas vezes fruto mais do desejo dos pais, o ingresso na universidade deixa de ser atraente para a geração Z

Por Paulo Henrique Silva
Publicado em 07 de maio de 2024 | 07:00
 
 
 
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K. (*) estava na escola dos sonhos. Pelo menos na ótica de sua mãe, J. (*), que fez de tudo para colocar a filha numa das melhores instituições de ensino de Belo Horizonte, na região Centro-Sul, já imaginando um futuro ingresso numa universidade. Meses depois, K. entrou em profunda depressão, chegando a tentar o autoextermínio. Foi a psicóloga quem encontrou a resposta para o estado de saúde mental da estudante, que não tinha se adaptado à metodologia da escola.

“Quis dar para ela o que não tive oportunidade. Sempre estudei em escola pública e até hoje sinto falta de uma base. Imagino que, profissionalmente, poderia ter conseguido algo melhor. Por isso, me esforcei tanto para pôr a K. num bom colégio. Confesso que ainda me dói tê-la tirado de lá e colocado numa escola pública, mas agora ela está mais feliz. Conseguiu se enturmar e fazer amigos”, observa J., que vivenciou uma situação muito comum à geração Z (nascidos entre 1995 e 2010).

A sensação de inadequação vivenciada por K. não surpreende a mentora de carreiras Leila Said. “Estamos há mais de 20 anos discutindo o modelo jurássico da educação, não só no Brasil, mas em todo o mundo! Desde que percebemos a necessidade de redirecionamento dos métodos ultrapassados para metodologias mais ágeis, criativas e que colocam o aluno como protagonista, muito se fala, mas pouco tem sido feito em uma maior dimensão”, lamenta.

Leila observa que as principais barreiras ainda são despreparo dos professores, modelos engessados, estatização elevada e programas de ensino sem interação que continuam colocando o docente como o foco da aprendizagem. “Eles não tratam das tecnologias ascendentes, (hoje) não aplicáveis para a maioria dos estudantes. E esses modelos (tradicionais) estão sendo duramente combatidos e, em alguns casos, dando lugar a novas formas mais livres de aprendizagem”, explica.

A ideia de completar o ensino médio e, em seguida, buscar um diploma universitário também vem sendo colocada em questão. “Esse cenário está confuso para as gerações mais recentes, pois a experiência que estão tendo nas universidades ainda propõe um processo muito lento frente à aceleração em que o mundo se encontra. Ainda temos salas de aula muito arcaicas e professores despreparados e desmotivados com seus espaços”, registra.

Para Leila, o que os jovens de hoje podem estar buscando é um ambiente mais instigador e desafiador, “onde eles possam ter um lugar de voz e fazer suas perguntas incômodas, que são as que, de fato, podem remodelar o diálogo entre os partícipes de uma sala de aula”. Opinião semelhante tem Renata Fialho, pedagoga e especialista em educação socioemocional, ao comentar o surgimento de escolas com pedagogias diferenciadas.

“Eu vejo que as escolas antes seguiam uma única linha, mas hoje já há instituições que proporcionam outras metodologias, com diversos processos avaliativos, diferentes do que as gerações anteriores passaram. Hoje os alunos estão podendo realmente se ver dentro dos espaços escolares. Para eles, não importa se a escola é assim ou assado. O que vale é se sentirem pertencentes à escola x ou y, fazendo o que precisa ser feito para terem uma aprendizagem significativa”, assinala Renata.

A pedagoga lembra, no entanto, que o que fecha a educação básica atual é o sistema avaliativo do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), prova que serve de critério para o ingresso nas instituições de ensino superior. “O Enem demanda muito empenho, estudo diário, comprometimento e foco do estudante. Independentemente se o aluno vai estar numa escola ou outra, o que foi construído na base desse aluno é que será determinante”, registra.

Renata pondera que, se ele “perde o caminho” de estudos para uma aprovação no Enem, “vai ter que criar uma rota alternativa”. “Nesse sentido, tenho ouvido muitos jovens falarem que, ao terminarem o ensino médio, não querem ir para a universidade”, explica. Entre as opções estão cursos técnicos e profissionalizantes, que, na avaliação dela, “são, sim, grandes direcionadores para a vida profissional”.

Justamente por isso é tão importante que os pais conversem com os filhos na hora de decidirem em qual escola eles devem estudar. “Uma criança ou adolescente não tem tanto esse poder de escolha, não tem nada muito decidido na vida deles. Os pais têm uma contribuição fundamental nesse processo, a partir de um olhar mais observador, enxergando as possibilidades dos filhos”, destaca Renata.

Ela frisa ainda que os pais não podem projetar nos filhos uma realização deles. “Se não querem ir para a universidade, é perguntar o que querem fazer a partir de agora, o que pode ser até mesmo uma oficina para se descobrirem. Eu vejo que muitos filhos ficam com medo de tomar uma decisão e decepcionar os pais ou serem punidos por isso. Além da evolução dos espaços escolares, a gente precisa de uma evolução das famílias”.

(*) Nomes fictícios

Educação brasileira precisa passar por novos processos de evolução

Renata não tem dúvida de que há uma longa caminhada para ter uma educação que possamos chamar de qualidade. “A educação brasileira está sempre passando por processos de mudança, acompanhando as evoluções ocorridas na sociedade e requisitos avaliativos. Mas ainda é necessário muito investimento do governo e das instituições, tanto na área de estrutura quan</CW>to de mão de obra”, analisa.

“Por mais que tenhamos várias reformas dentro dos processos educacionais, existe um trabalho que é muito fechado nas caixinhas, dentro daquilo que a gente chama hoje de ‘componentes curriculares’. Precisamos fazer um trabalho com o desenvolvimento das habilidades, modificando esse processo do ensinar para criar mais momentos de troca com os alunos, de maior aprofundamento”, analisa Renata.

A prática, na avaliação da especialista em educação socioemocional, tem que ser mais incentivada. A parte teórica é importante, mas os alunos precisam vivenciar cada vez mais o que eles estão aprendendo. Isso vale, inclusive, para as estruturas das salas de aula. “Tem muitos alunos num espaço pequeno que, às vezes, nem permite fazer uma roda, onde todos possam sentar de maneira privilegiada”.

Também pesa nessa balança a remuneração dos docentes, que, para ganhar o suficiente para uma vida digna, necessitam ficar dois ou três turnos dentro das escolas. “Ele precisa ter tempo para estudar. Um problema que vejo acontecer, por exemplo, é em relação aos professores do ensino fundamental 1 (fase escolar dos alunos dos 6 aos 14 anos), que não podem fazer mestrado porque a maioria dos cursos acontecem pela manhã ou na parte da tarde”, lamenta Renata.

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