Entrevista

‘Para mim, os pais falam demais’, diz psicóloga norte-americana

Ícone da disciplina positiva, a psicóloga americana Jane Nelsen, 81, percorre o mundo para divulgar a metodologia a pais, professores e educadores

Por Da Redação
Publicado em 02 de setembro de 2018 | 03:00
 
 
Jane Nelsen, psicóloga, terapeuta infantil, doutora em psicologia educacional e multiplicadora da disciplina positiva Foto: João Godinho

Com sete filhos, 22 netos e nove bisnetos, Jane Nelsen é autora e coautora de 18 livros sobre desenvolvimento infantil. Ela defende cinco critérios básicos no trato com os pequenos: ajudar a criança a se sentir importante e pertencente (conexão); ser firme e gentil (respeito mútuo); considerar o que a criança pensa, sente e aprende (desenvolvimento); ensinar habilidades sociais e de vida (respeito, empatia); e encorajar a criança no uso construtivo da autonomia (autodescoberta). Leia mais sobre o assunto nesta entrevista.

Como usar os cinco critérios que a senhora lista como pilares da disciplina positiva no dia a dia?

Existem centenas de ferramentas. Cada uma delas atende todos os cinco critérios. A ideia é que os pais apliquem sua escolha de ferramentas que sejam apropriadas para a situação em questão. O que a maioria dos pais não entende é o quanto é importante para uma criança ter sentimentos, seja qual for a situação. Nós, geralmente, queremos afastá-la ou convencê-la a falar sobre isso, ou dizer: “Você está bem”. Uma das ferramentas que atende os cinco critérios é a empatia, porque essa abordagem deve ser tanto gentil quanto firme. Tal atitude também estabelece uma conexão com a criança, o que faz com que ela se sinta pertencente e significativa.

E se a situação é especificamente sobre algo que o pai ou a mãe disse que a criança não pode fazer ou ter?

Para mim, os pais falam demais e fazem demais. A criança já sabe que ela não pode ter ou não pode fazer. Dizer-lhes tudo isso soa como palestras e sons paternalistas, e é em relação a isso que temos que ser muito cuidadosos. Então, eu digo para você validar os sentimentos de seus filhos: ‘Puxa, eu posso ver que você está realmente chateado. Você realmente quer isso?’. E, então, não espere que, ao você dizer isso, a coisa vá se reverter ou que a criança pare de chorar. Ela pode continuar chorando até acabar. As crianças precisam saber se acalmar. Precisamos deixá-las aprender dentro de uma atmosfera que seja gentil e firme, que seja encorajadora e fortalecedora. Elas devem aprender, com sua própria experiência e seus sentimentos, que podem sobreviver às decepções.

Quais são as maiores armadilhas nesse caso?

Eu acho que todos nós sabemos os erros cometidos em nome da firmeza sem bondade: punição. No entanto, muitos não sabem os erros cometidos em nome da bondade sem firmeza: ser agradável demais, superproteger, mimar (atendendo todos os “desejos”), fazer escolhas exageradas e garantir que as crianças nunca sofram.

Quando a senhora diz “nunca sofrer”, o que significa?

Costumo dizer que devemos permitir que nossos filhos sofram. Não que os façamos sofrer – nunca devemos fazer isso. Mas precisamos permitir que sofram para que possam extravasar seus sentimentos. Parece difícil saber quando oferecer conforto e aliviar sentimentos fortes e quando confiar nas crianças para que ajam por conta própria. Acho que os pais ficam confusos entre as necessidades e os desejos.

Pode exemplificar?

Há uma linha para entender quando é apropriado confortar seus filhos e quando deixá-los trabalhar seus sentimentos por conta própria e perceber suas próprias capacidades de lidar com eles. Não devemos infligir sofrimento a nossos filhos. Mas acho que devemos permitir que sofram. Há uma diferença enorme. Se eles estão sofrendo por uma escolha que fizeram, os pais não precisam repreendê-los. 

Então, onde está esse equilíbrio? Como saber qual é a resposta apropriada?

Muito disso é educação. Se você tem o conhecimento, então você entra em seu coração e você sabe. Os pais precisam entender que as crianças estão sempre tomando decisões com base em suas experiências de vida. Elas estão respondendo por si mesmas: “Eu sou capaz? Eu não sou capaz? Posso sobreviver aos altos e baixos da vida, ou não posso?” Se os pais não permitem que seus filhos tenham essas experiências de transtornos emocionais, eles os impedem de desenvolver a crença de que são capazes ou não. 

Aonde isso tudo leva?

O que queremos fazer é dar aos nossos filhos experiências que os ajudem a desenvolver crenças saudáveis e um senso de confiança, autonomia e iniciativa. As crianças precisam desenvolver seus músculos de decepção, seus músculos de capacidade e sua elasticidade de músculos. Os pais sábios permitem que as crianças façam isso.

Então, é possível a firmeza, a bondade, a força de vontade e o apego coexistirem, mantendo-os seguros?

Sim. E eu acho que é isso que pais de crianças altamente espirituosas precisam saber. Às vezes, é realmente difícil ser firme sem ser punitivo. E, também, é fácil ser permissivo quando seus filhos são fortes e você está preocupado em protegê-los. Há um equilíbrio. Um ótimo exemplo é dizer: “Eu amo você, e a resposta é não”. Gentil e firme. Então, deixe as crianças terem seus sentimentos.

Trata-se, então, de um processo para pais e filhos?

Sem dúvida. Uma criança nasce falando ou andando? Sabemos que não. Assim como diversas coisas, que aprendemos durante toda nossa vida ao longo de tempo e de acordo com nossas limitações, a disciplina positiva deve ser encarada da mesma forma. Cada pessoa tem seu tempo para apreender e incorporar os ensinamentos, para depois colocá-los em prática. Cada pai e cada mãe vão ter o seu tempo de adaptação. Isso deve ser respeitado. 

A senhora poderia falar um pouco mais sobre o excesso de envolvimento dos pais?

Devemos ajudar as crianças a explorar as consequências de suas escolhas, em vez de impor as consequências a elas. As crianças precisam entender as consequências de por que determinada situação é um problema comportamental, e não se sentir envergonhadas e/ou culpadas. Elas também devem ter a oportunidade de começar a pensar em soluções para o ‘problema’.

Dar autonomia às crianças na construção de seus sentimentos e de sua identidade não impede que os pais estejam por perto.

Exatamente. As crianças precisam ser capazes de gerenciar seus próprios sentimentos quando há amor, apoio, suporte – esses são benefícios da parentalidade. Você está fornecendo essa energia de apoio, essa validação e base para permitir que elas as usem naquilo que estão vivendo e aprendendo. 

Movimento. Para os pais, professores e educadores que desejam conhecer mais sobre os métodos, basta entrar no site www.disciplinapositiva.com.br, no qual palestras, cursos, vídeos e eventos estão disponíveis.