Alerta

Overdose de exames pode ser danosa para pacientes clínicos 

Argumento é de que exagero nos pedidos leva a procedimentos desnecessários

Por Da Redação
Publicado em 26 de abril de 2016 | 03:00
 
 
Hemogramas em excesso podem gerar uma anemia no paciente Foto: marcio tombinni/divulgação

Sair com uma bateria de pedidos de exames do consultório médico é uma satisfação para grande parte dos pacientes. Mas a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) alerta que uma longa lista de exames não significa que sua saúde esteja sendo bem cuidada – ao contrário: às vezes, isso representa um risco à saúde do paciente.

De acordo com o médico Gustavo Gusso, diretor científico da SBMFC, em muitas situações um problema de saúde não significa, obrigatoriamente, uma doença, e o próprio tratamento já será mais nocivo do que o problema de saúde em si. A esse excesso de diagnósticos desnecessários, a medicina dá o nome de “sobrediagnósticos”.

“Algumas doenças já são conhecidas por serem sobrediagnosticadas. Os cânceres de próstata e de tireoide são dois exemplos. O problema é que, uma vez descoberto o câncer, tomar a decisão do não tratamento é muito mais difícil. É por isso que, segundo Gusso, alguns tipos de doenças – como o próprio câncer de próstata e de tireoide – não estão no protocolo dos exames de rotina. “Se a pessoa não tem sintomas, não vamos buscar o problema, justamente para não ficar produzindo sobrediagnósticos”, afirma.

Doenças mais corriqueiras, como a hipertensão e o colesterol alto, também são alvo do excesso de zelo. “Se o paciente está saudável, se não tem mais nenhuma doença associada – como obesidade, diabetes etc –, o tratamento é dispensável”, garante.

Entusiasta da campanha “Choosing Wisely” (escolhendo com sabedoria), iniciada nos EUA em 2012, André Volschan, coordenador do Centro de Estudos do Hospital Pró-Cardíaco, no Rio, afirma que procedimentos só se justificam se puderem aumentar a expectativa ou a qualidade de vida do paciente. “A cada mulher salva da morte por câncer de mama, muitas outras sofrem biópsias invasivas.”

Nos laboratórios, o excesso de exames também é um problema. Além de sobrecarregar o sistema, principalmente da rede pública, e tornar os resultados menos ágeis para os pacientes que realmente têm uma doença, as baterias de testes também podem impactar a saúde do paciente.

“Quando a pessoa está internada, são requisitados hemogramas todos os dias. Ao fim do período da internação, se formos contabilizar o total de material retirado, pode corresponder a até 10% do total de sangue do paciente”, alerta o patologista Leonardo de Souza Vasconcellos, professor da Faculdade de Medicina da UFMG e coordenador do programa de residência em patologia clínica do Hospital das Clínicas. Nos casos dos exames de imagem é ainda pior, pois o paciente é exposto a uma radiação que se acumula no organismo desnecessariamente.

Contraponto

Polêmica. A questão está longe de ser consenso entre os médicos. Para a Sociedade Brasileira de Patologia, em entrevista à BBC, deve-se trabalhar com o máximo possível de prevenção.

Professor levanta razões para o problema

Para o médico e professor de patologia clínica da UFMG Leonardo de Souza Vasconcellos, algumas hipóteses podem explicar a banalização dos exames. Em primeiro lugar, segundo ele, o avanço da tecnologia facilitou o acesso aos testes laboratoriais e de imagem.

Outra explicação tem a ver com a formação dos médicos atuais. “Será que esses estudantes de medicina não estão aprendendo a supervalorizar os exames complementares, em detrimento do exame físico do paciente?”, questiona ele. E ainda há um outro problema: com tempos de consulta cada vez mais curtos, fica difícil o médico fazer uma anamnese completa do paciente. Aí entram os exames, para responder a perguntas que o médico não fez. Por fim, há uma preocupação legal do profissional. “Muitas vezes, ele pede os exames para se resguardar de um possível processo”, afirma o professor, que ressalta: “Os exames estão aí para serem usados, mas com critérios”.