São Paulo. Uma especialista em aproveitamento de resíduos sólidos, com foco nos restos de processamentos em curtumes, desenvolveu uma pesquisa inusitada para a produção de pele artificial. O material, produzido com base na derme de porcos, tem como objetivo final oferecer uma alternativa barata ao tecido menos ofertado em bancos de órgãos: a pele humana.
O trabalho foi realizado pela química Joana D’Arc Félix de Sousa com seus alunos do curso técnico em curtimento (beneficiamento de pele de bois e porcos para a fabricação de couro) da Escola Técnica Estadual (Etec) de Franca. A região, no Norte de São Paulo, é polo produtor de calçados, tendo curtumes por todo lado.
Joana, que já havia se destacado na cidade por ajudar a encontrar soluções para os resíduos, se voltou para o aproveitamento dos restos dos curtumes, que, sem isso, simplesmente seguiriam para aterros. A inspiração para a investigação surpreendente para o seu tipo de experiência surgiu quando ela viu uma notícia de que estava faltando pele humana para transplantes.
Na ocasião, só havia três bancos no país – Porto Alegre, São Paulo e Recife. Há alguns meses, Curitiba também inaugurou o seu.
Processo. A pele de porco, que tem 78% de semelhança com a humana, já é usada em enxertos temporários em humanos, mas não de modo definitivo, porque causa rejeição. A ideia foi tentar eliminar esse impedimento.
Para isso, a derme suína foi utilizada como uma espécie de matriz para criar um modelo mais adequado ao ser humano. “É o animal que traz mais semelhanças com a gente em relação aos órgãos. Já se trabalhou com macacos, por exemplo, sem sucesso. Mas, mesmo com porcos, ocorre rejeição. Além disso, a pele de porco tem muita gordura, e era preciso retirá-la”.
A saída foi eliminar todo o material genético suíno, por meio de um processo de purificação da pele que eliminou gordura, proteínas e as células suínas.
VAlor. Com o material limpo, a etapa seguinte foi preenchê-lo com colágeno de boi, a fim de manter as características estruturais da pele humana. A substância já é normalmente extraída e pode ser comprada para colocação, por exemplo, em cosméticos, a preços que podem chegar a R$ 53 o quilo.
“Mas não queria gastar dinheiro. A alternativa foi extrair a substância de resíduos de couro curtido. Franca gera em torno de 80 toneladas por dia do material, que vai para aterros. Mesmo assim, obtivemos o colágeno a R$ 2 quilo”. Tudo isso tornou a produção muito barata. Segundo a pesquisadora, 1,5 m da pele obtida com base na derme de porco sai por, no máximo, R$ 60, enquanto uma pele artificial pode custar R$ 5.000 na mesma metragem.
Já foram solicitadas patentes. Amostras do material estão sendo enviadas para análise da pesquisadora Silvya Stuchi Maria-Engler, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP).