Neurociência

Start-up oferece um ‘backup’ de cérebros, mas só após a morte

Dupla testa em humanos técnica criogênica já usada em animais

Qui, 22/03/18 - 03h00
Hoje cientistas já usam a preservação criogênica em órgãos e tecidos | Foto: YouTube/reprodução

PALO ALTO, EUA. “E se te dissessem que você pode fazer o backup da sua mente? Nossa ambição é manter suas memórias intactas para o futuro”, instiga o site da Nectome – uma start-up norte-americana que está atraindo a atenção de investidores no Vale do Silício, nos EUA.

Ousada, a proposta foi selecionada para integrar o programa da Y Combinator, uma das mais conhecidas aceleradoras do setor de tecnologia nos EUA. A promessa é de vida eterna, não em carne e osso. A ideia é desenvolver uma tecnologia capaz de digitalizar a memória, como um backup do cérebro. Como a técnica ainda não existe, Robert McIntyre e Michael McCanna, fundadores da Nectome, propõem a preservação criogênica dos tecidos cerebrais. Mas, para isso, é preciso matar os seus clientes. “É 100% fatal”, disse McIntyre, em entrevista à revista “MIT Technology Review”.

No momento, a dupla pesquisa a aplicação em humanos de uma técnica criogênica já testada em animais. Há cerca de três anos, a Nectome conseguiu preservar o cérebro de um coelho. Nesta semana, a start-up recebeu um prêmio da Brain Preservation Foundation pela preservação do cérebro de um porco.

Em fevereiro, a Nectome conseguiu o corpo de uma mulher idosa para o primeiro experimento em humanos. Os produtos químicos foram injetados apenas 2,5 horas após a morte. O procedimento levou seis horas e foi realizado num necrotério. O cérebro não será mantido congelado indefinidamente, mas fatiado e analisado por microscópios eletrônicos.

Agora, a empresa busca para o futuro próximo algum voluntário que planeje o suicídio assistido por causa de uma doença terminal. Apesar de acreditar na viabilidade do serviço, Kenneth Hayworth, presidente da Brain Preservation Foundation, espera que a técnica só seja oferecida comercialmente após a publicação de um protocolo numa revista científica, já que se trata de uma questão polêmica.

Para que a “vitrifixação“ funcione, ela precisa ser a causa da morte. O paciente, ou cliente, precisa ter o fluxo de sangue no cérebro substituído pelos produtos químicos para preservar a estrutura neuronal. A experiência do usuário será semelhante ao do suicídio assistido.

Recursos. Para fazer as pesquisas, a Nectome já levantou mais de US$ 1 milhão – US$ 120 mil da Y Combinator e US$ 960 mil do Instituto Nacional para a Saúde Mental dos EUA.

Lista de espera cobra depósito de US$ 10 mil e tem 25 pessoas

O serviço ainda não está à venda, e provavelmente não estará por anos. A tecnologia de “vitrifixação” nunca foi testada em humanos, nem é possível saber se as memórias ficam armazenadas no tecido morto. E, caso sejam, se elas podem ser digitalizadas. Para medir a demanda, criou uma lista de espera por um depósito de US$ 10 mil, que podem ser devolvidos caso o cliente mude de ideia. A fila já tem 25 pessoas, incluindo o investidor Sam Altman, 32, um dos criadores do programa Y Combinator. “Acredito que o meu cérebro será armazenado na nuvem”, disse.

Mas a comunidade científica vê a proposta com ceticismo. O neurocientista Jens Foell, da Universidade Estadual da Flórida disse ao site LiveScience que conseguir preservar o cérebro de um porco é “legal”, mas não diz nada sobre a recuperação de informações.

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