Golpe

‘Vendedores’ de porta em porta abusam da fragilidade de idosos

“Jovens bonitos persuadiram dona Lourdes a tomar consignado para comprar colchão ‘milagroso’

Por Da Redação
Publicado em 28 de novembro de 2016 | 03:00
 
 
Vítima. Lourdes pegou consignado para pagar colchão que curaria dor e ficou com dívida de R$ 6.650 Foto: Uarlen Valério

Osteoporose, hipertensão, catarata e estelionato. Com o avanço da idade, os riscos não aumentam apenas para doenças, mas para golpes também. Abusar da fraqueza e da ignorância dos idosos é crime, mas tem muito golpista por aí vendendo produtos milagrosos como almofadas que curam o câncer, massageadores e colchões mágicos. A aposentada Lourdes Adão Braga tinha 72 anos quando foi convencida por “três moços bonitos”, segundo ela, a fazer um empréstimo consignado de R$ 3.600 para comprar um colchão magnético. Hoje, aos 76, ela ainda paga parcelas de R$ 114 todo mês, que continuarão a ser descontadas do seu salário mínimo até meados de 2017.

O coordenador do Procon da Assembleia Legislativa de Minas Marcelo Barbosa afirma que abusos contra a fragilidade dos idosos são frequentes, e, como na maioria das vezes os vendedores somem sem deixar pistas, não é possível fazer nada, a não ser prevenir. “Qualquer venda que não é feita em uma loja física pode ser invalidada em até sete dias. Se enquadraria nesses casos, quando ambulantes batem de porta em porta. Mas, mesmo entregando um produto, as empresas nem sequer existem. A família precisa ficar atenta e orientar os idosos a não abrirem a porta para esse tipo de venda”, afirma.

Dona Lourdes não só abriu a porta, como também entrou no carro dos “vendedores”, que a levaram até o banco para fazer um empréstimo. “Eles chegaram gritando meu nome no portão. Me ofereceram o colchão e, quando eu disse que não tinha dinheiro, disseram que eu podia pagar no ‘designado’ (SIC). Eu não queria assinar, mas eles eram moços bonitos, com a fala boa. Três dias depois, voltaram na minha casa com o colchão novo e levaram o meu, que também estava novinho. Aí me levaram ao banco e me explicaram que, se a gerente perguntasse, que era para falar que era meu sobrinho. Me entregaram o dinheiro, e eu dei a eles”, conta.

O golpe aconteceu em 2012. Os R$ 3.600 viraram R$6.665. E as 36 parcelas, na verdade, eram 58, com empréstimo consignado. “A advogada disse que eu ainda tenho que pagar até o ano que vem. Vai descontando, e faz falta, né”, lamenta.

Dona Lourdes pediu ajuda ao Procon, mas a empresa indicada no contrato não foi localizada. “Infelizmente, não é possível fazer nada. Esses vendedores oferecem soluções ligadas à saúde para atrair os idosos. A prática fere tanto o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor, que diz que abusar da idade e da saúde é crime, como também trata-se de propaganda enganosa, já que, embora entreguem um produto, ele não cumpre as funções milagrosas prometidas”, ressalta.

Os golpes também se enquadram em estelionato. “Os vendedores costumam ainda oferecer um produto por um preço muito acima do valor de mercado, extorquindo do idoso”, destaca. Barbosa conta que um aposentado procurou o Procon para denunciar a venda de um massageador que curaria dores na coluna, mas, na verdade, só as pioraram. Ele foi comprado por R$ 1.800, mas custava cerca de R$ 200 no mercado. O Procon não conseguiu localizar a empresa. “Por isso alertamos a não abrir a porta. É um abuso sério, tanto que, muitas vezes, os contratos são assinados com digitais, pois as vítimas são analfabetas”, disse.


O que diz a lei

Art. 37 do Código de Defesa do Consumidor (CDC):

É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. É enganosa qualquer modalidade de informação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa.

Art.39 do CDC, inciso IV:

(É proibido) prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços.

Art. 171 do Código Penal:

(É crime) Obter, para si ou para outro, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro.


Ação

Aposentado quer dinheiro de volta

FOTO: Leo Fontes
Mário Soares pagou por ação que não tinha fundamento jurídico

O aposentado Mário Soares Mangabeira, 71, está lutando para receber de volta o dinheiro que, a princípio, lhe renderia um aumento na aposentadoria. Em 2012, motivado por uma propaganda no rádio e por uma carta na qual a Associação Brasileira de Apoio aos Aposentados e Pensionistas (ASBP) prometia entrar com uma ação para tentar corrigir o valor da sua aposentadoria, ele pagou R$ 1.096 para se filiar e ter direito ao apoio jurídico do órgão.

“Eu até já tinha ido a outros advogados, que me disseram que eu não seria beneficiado por essa revisão, mas acabei me associando para ter direito à ação”, conta. Ele descobriu que a ASBP só entrou com a ação em 2014. “Isso porque eu pressionei muito. E vi muita gente reclamando da mesma situação”, disse. Ele perdeu a ação e recebeu cobranças referentes a sua filiação, mas se recusou a pagar. No dia 29 de novembro, terá uma audiência no Procon, que, desde 2010, já registrou 85 queixas.

Por meio de nota, a ASBP afirmou que o associado sabia dos serviços aos quais tinha direito e, apesar de inadimplente, nunca ficou desassistido. “Em relação ao seu processo, o Sr. Mário também está ciente de que os serviços advocatícios são atividades meio, e até mesmo o sucesso de uma demanda jurídica não é garantido em nenhuma hipótese.” (QA)