Um dos setores mais afetados pela pandemia do novo coronavírus, o turismo experimentou uma queda de quase 100% no início da crise. Uma melhora tímida vem ocorrendo, mas os números mostram que a retomada será longa e gradual, e a projeção é de perdas bilionárias em 2020. Para analisar a situação do setor, a live do Tempo desta quinta-feira (9) recebeu Carlos Prado, diretor-presidente do conselho de administração da Associação Brasileira de Agências de Viagens Corporativas (Abracorp). Ele contou como foi a experiência de viajar para o exterior no início da pandemia e aponta caminhos para o Brasil, como a oportunidade de fazer as reformas tributária e administrativa para atrair investimentos. Confira a entrevista.

Uma fala sua mostra que o setor de viagens corporativas não produzirá nem 45% do que foi registrado em 2019. Qual é estrago total que você já contabiliza nesse atividade? A expectativa, num primeiro momento era que a gente repetisse, pelo menos, 45% do que fizemos em 2019. Esse número foi revisto, mesmo porque vamos ter alguma melhora, mas somente nas viagens domésticas. Então, o tombo vai ser esse mesmo. O mês de abril foi o fundo do poço, uma queda de quase 96% no volume, no mês de maio melhorou um pouco, 0,77%, e a gente acredita que em junho os nossos números serão um pouco melhores. Em termos de perda, a estimatina da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) é que a gente tenha em torno de R$ 62 bilhões neste ano, em percentual e valor monetário.

Qual o tamanho do setor, quantos empregos gera, qual cifra movimenta? Em termos de valor monetário, dois terços de todo o faturamento das companhias aéreas e da rede hoteleira vêm do corporativo, mas não na mesma quantidade. A gente tem 40% de faturamento em laser e 60% em coporativo. Quando é número de viagens, o laser chega a 60%. O ticket médio das viagens corporativas é mais interessante, seja para companhia aérea, rede hoteleira, taxista, todo o ecossistema que envolve as viagens corporativas. 

Como foi a experiência de sua viagem aos Estados Unidos e o que pode repassar para os viajantes? Foi muito interessante porque era no início da pandemia, de 24 de abril até 28 de abril. Tinha um contrato muito importante para o grupo, viagem inadiável, tive que ir. Foi muito impactante, você sai de casa, chega no aeroporto de Viracopos, em Campinas, e vê quatro andares de estacionamento e apenas metade de um sendo usado. Olha todo mundo de máscara, na sala de embarque o pessoal com a devidas distâncias. Dentro da aeronave foi uma experiência muito estranha, dormi de máscara, algo surreal. Tirava apenas para alimentação. Chegando nos Estados Unidos, a gente constatou também o aeroporto de Orlando totalmente vazio. Por outro lado, foi um momento de trazer um feedback para os aeroportos, as companhias aéreas, pois ainda era muito cedo a questão dos protocolos. Hotéis e restaurantes estavam fechados em Miami. Experiência interessante por outro lado, na volta já me senti mais solto, era tudo muito novo. Agora é menos estranho. é dessa forma que a Abracorp recomenda. Hoje eu voltaria para uma aeronave com menos medo que tive em um primeiro momento, mas com toda a cautela e os cuidados necessários.

Qual vai ser o impacto desse novo normal no setor? Acredito que o número de viagens corporativas por questão de uso das plataformas tecnológicas vai sofrer ajuste. Essas ferramentas já existiam. Aquilo que não houver necessidade de deslocamento vamos usar a plataforma. Com relação a eventos, enxergo nesse primeiro momento, enquanto não tiver a vacina, todo o cuidado. Nos próximos dois meses, acredito que vamos ter os pequenos encontros e depois a gente avança para os maiores. Para eventos, este ano vai ser muito desafiador, com perdas maiores do que as viagens corporativas. Viagem corporativa é aquela de São Paulo-Nova York, SP-Roma, SP-Miami, SP-Buenos Aires. Eventos envolvem número maior, seja convenção de vendas, treinamento, lançamento de produtos. Se for somente para buscar conteúdo, a plataforma tecnológica pode ajudar bastante. Mas quando a empresa faz um evento, tem o conteúdo, conhecimento, integração das pessoas, a experiência que os participantes vão ter. Terão ajustes, mas não acredito que seja tão significante. Se diminuir o total de eventos, por outro lado, vai aumentar o orçamento para os encontros semestrais. Somos parceiros de empreas globais, falamos muito por tecnologia, mas tem orlamento para fazer encontro regional, global, no local. Migra um orçamento de um lado para outro. Acredito que o orçamento como um todo vai ser distribuído.

Eventos a partir de que mês estão mantidos? Se tiver uma vacina no início do dezembro, a gente está trabalhando com o segundo trimestre de 2021. Antes de abril de 2021, serão pequenos eventos, localizados. Fazer feiras, fechar pavilhões, depende de acomodações, malha aérea. Vamos avançar, flexibilizar, recuar até que tenha um tratamento eficaz. Criamos o Movimeno Supera Turismo justamente para levar o máximo de infornações para o usuário para quando ele decidir viajar. Outro objetivo é restabelecer emprego e renda, propomos inicativas para manter a rendeira, o artesão, para quando tivermos o turismo de volta possa nos atender de novo. São 7 milhões de pessoas trabalhando no ecossistema do turismo, desde a companhia aérea, jangadeiro, guia. Mais de 50 atividades que envolvem esse ecossistema, que representa mais de 8% do PIB do Brasil. 

Você acha que a qualidade da matéria-prima do setor será finalmente reconhecida? Com a pandemia, nós ligamos o modo sobreviência, passamos a olhar o que temos que fazer, melhorar a eficiência das empresas, os procedimentos para que a gente esteja adaptado para essa nova realidade. Olhando a questão mais à frente, para a retomada, temos uma grande oportunidade, trabalhamos muito para a aprovação das MPs do trabalho, do crédito, do direito do consumidor. Temos a oportunidade de trabalhar reformas, porque liquidez no mundo nós temos, temos várias coisas para privarizar no Brasil. E fazer a reforma tributária e a  administrativa. Se fizermos isso, mesmo com esse atraso, teremos uma grande chance, girando mais dinheiro. Nós somos o primeiro país do mundo em recursos culturais e precisamos utilizar o produto. Temos montanha, chapada, praias. Vamos descobrir cada canto do Brasil e transformar em produto turístico vendável e divulgar bem.

Existe mesmo esse otimismo dentro do turismo, como alguns estão dizendo? Gosto de ser realista, mas com viés de otimismo, O desafio é grande. Já existe número e perspectiva das companhias aéreas domésticas de chegar em dezembro com 55%, 60% de faturamenrto com relação a 2019. Abril e maio foram muito ruins, em junho teve crescimento semana a semana de 5% em média. Só não cresceu a semana retrasada. Com relação à Feira da Abav digital, não vai substituir o evento no local. Uma feira com número restrito daria prejuízo. Ano que vem será presencial e um grande sucesso. União das entidades está fantástica e, assim, a gente consegue vitórias. Vamos convergir os recursos. Todos são voluntários no Movimento Supera Turismo e estão dando o melhor de si sem ganhar nada. 

O que está sustentando hoje o turismo? O que a gente percebe é que o deslocamento maior entre parentes, amigos. Segundo número da Abracorp, mês de maio foi de queda de 95% em relação ao ano passdo e das companhias aéreas a queda foi de 92% porque pequenos empresários autônomos têm hábitos de comprar em uma agência virtual ou direto no site da companhia aérea. A Abracorp atende grandes corporações, 95% de todas as empresas licitadas na bolsa de Nova York, por exemplo, são clientes de associados da Abracorp. Setor médico está viajando mais, o setor de petróleo, e hoje a gente percebe que o  varejo está se aquecendo mais, as empresas de tecnologia. Para julho, a estimativa é que tenha em torno de 25% de número de voos em relação ao ano passado. Eram 2.700 voos em média por dia, vai dar pouco mais de 600 por dia.

Como está a situação das companhias aéreas? Uma região do país se desenvolve quando tem conctividade aérea. As companhias estão fazendo os ajustes conforme a demanda. Não vão conseguir colocar todas as aeronaves para voar porque não tem passageiro. Valor médio do ticket hoje está 50% mais baixo do que no ano passado. Algumas vão devolver e trocar aeronanes e teremos desligamentos, infelizmente. Acredito que cerca de 25% dos hotéis não voltem a abrir as portas após a pandemia. Vai ter ajuste.

Turismo é influenciado pelo movimento da Bolsa de Valores? Acredito que isso é mais para o mercado financeiro. Não sou economista, mas acredito que a bolsa esteja subindo bastante porque a taxa Selic está  muito baixa, e o pessoal quer buscar outro lugar, mesmo correndo uim pouco de risco, mas tenha condições de ganhar mais, assim como já teve o incremento na área de imóveis. Tem liquidez no mundo também. Precisamos trabalhar a segurança jurídica para atrair investidores internacionais. 

O que pensa sobre o assédio moral corporativo? Trabalhamos muito na Abracorp a questão da sustentabilidade, o ecosistema precisa ser sustentável, a companhia aérea, os hotéis precisam ter lucro. Algumas empresas que não estão preocupadas que o ecossistema seja sustentável, no momento como esse fica abrindo concorrência, e dizendo que só quer isso. Quem vai perder na frente é quem está fazendo isso, vai ter um serviço e uma qualidade de entrega inferiores. Trabalho da Abracorp é agregar valor no serviço ou produto que nosso cliente produz para chegar na ponta da melhor forma possível. Não podemos aceitar esse tipo  de coisa e temos que colocar na geladeira quem tem esse pensamento. É uma minoria de empresas, a maioia tem um programa social e segue. Toda a cadeia que trabalha com eventos, viagens corporativas e outros insumos precisa ser sustentável.

O que faltou para Belo Horizonte, qual será o desafio para ela se tornar uma cidade de turismo de negócios? Prefeitura precisa fazer o investimento necessário para ter o evento por cinco, dez anos. Fazer conta, quanto um evento que movimenta 20 mil pessoas vai trazer para bares, restaurantes, hotéis. Aí vai perceber que é viável ceder o centro de convenções e ganhar em todos os outros serviços, com impostos. Visitante corporativo deixa cerca de duas vezes e meia mais dinheiro do que um a laser porque a empresa que paga, tem verba paa almoço, jantar. Em família, o orçamento é mais enxuto. Qualquer coisa ligada a evento que traga movimento para a cidade eu acredito que vale a pena fazer o investimento. 

Alguma cidade faz isso bem aqui no Brasil? Em São Paulo, por exemplo, a cada seis minutos tinha evento. Feira tinha praticamente toda semana, exceto final do ano. Vamos ver o evento na Argentina, Chile, Peru e vamos tentar trazer para Minas. Não adianta tirar de São Paulo, temos que trazer mais eventos para o Brasil.

Fale sobre a chegada das novas aéreas no Brasil e como isso vai impactar no mercado. A gente precisa fazer algumas reformas e ter um ambiente de negócios melhor no Brasil. Hoje, o custo para as empresas, para o funcionário é muito grande. Um trabalhador que ganhe R$ 3.000, em vez de eu pagar mais esse valor de encargo, poderia receber R$ 4.500. Ele ia consumir mais e a economia ia melhorar. Se não melhorar o ambiente, teremos companhias aéreas pequenas. Tem dois grandes custos para as companhias aéreas, o leasing da aeronave e o querosene de aviação, tudo em dólar. Por isso, estamos sugerindo reformas.

Protocolos são eficientes, funcionam? Nosso grande desafio é levar segurança para o viajante. Temos na Abracorp nossos protocolos. Nossos associados estão fazendo viagens para verificar como os hotéis, restaurantes estão funcionando. A sociedade tem que se cuidar, o empresário tem que fazer o que é correto. E ter alinhamento dos governantes. Um foco único para que a gente possa caminhar, mas está funcionando. Fazemos verificação por amostragem. 

A falta de um discurso uniforme entre os Poderes pode fazer com o Brasil perca eventos de turismo? De fato, já perdemos. Alguns eventos que seriam no Brasil mudaram de destino. Eles sabem que a economia do Brasil é importante, mas perdemos, infelizmente, espaço. Nada que não possamos recuperar na frente.