ESG

Só 15% dos LGBTQIAP+ falam sobre sexualidade com os chefes

Grupo Sada aposta no letramento e ponto de partida são as altas lideranças; objetivo é promover políticas para levar mais segurança psicológica ao ambiente de trabalho

Por Queila Ariadne
Publicado em 26 de junho de 2023 | 06:00
 
 
Grupos de afinidade tem o papel de levar mais segurança psicológica para o ambiente de trabalho Ilustração Acir Galvão

Só um em cada cinco profissionais LGBTQIAP+ se sente seguro para falar sobre sexualidade com alguém no trabalho. E se for com alguma chefia, a coragem é ainda menor. Um levantamento feito pela consultoria Mais Diversidade em 2021, com 2.168 funcionários de empresas do Brasil, mostra que apenas 15% deles conseguem abordar o tema com suas lideranças.

Essa estatística é apenas um dos motivos que justificam a importância da implantação de políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DE&I) no ambiente corporativo. “No caso da comunidade LGBTQIA+, a grande questão passa pelo ambiente, que precisa oferecer segurança psicológica para que a pessoa seja ela mesma”, destaca o sócio-fundador da consultoria Mais Diversidade, Ricardo Sales.

No próximo dia 28 será celebrado o orgulho gay. É um momento em que a pauta fica mais evidência, mas, de acordo com Sales, não pode se resumir a um discurso. “A inclusão precisa ser intencional. As empresas precisam tratar a DE&I com a mesma seriedade com que trata as demais áreas de gestão. Precisa de planejamento e metas, que podem ser quantitativas e qualitativas”, diz.

É exatamente assim que o Grupo Sada assumiu o compromisso de promover a educação através do debate. Há quatro meses, o psicólogo Eduardo Francisco de Oliveira assumiu a área de DE&I da organização empresarial. Com especialização educação, diversidade e cidadania, ele destaca que o foco da empresa é debater temas entre os trabalhares e buscar soluções junto aos gestores. E o ponto de partida é o letramento. “O objetivo não é militar, mas promover a sensibilização por meio de ações educativas”, afirma.

Ao longo desta semana, o Grupo Sada vai promover uma live sobre sexualidade, vai divulgar um vídeo institucional explicando o que significa cada letra da sigla LGBTQIAP+, e também vai distribuir botons e cartilhas. No entanto, a agenda não se limita a uma data comemorativa. Além de reuniões com o grupo de afinidade, formado por funcionários, também há encontros constantes com um comitê, integrado por altas lideranças. 

“Discutimos o código de conduta ética, falamos sobre comportamentos, relações humanas, assédio, recrutamento e discriminação. E começamos com a alta liderança, pois esses gestores vão impactar toda a cultura da empresa. A questão não é aceitação, mas respeito”, destaca Oliveira. 

Grupo Sada vai fazer censo para conhecer melhor os colaboradores e embasar ações 

No segundo semestre deste ano, o Grupo Sada vai realizar um censo entre os cerca de 9.000 funcionários. “O mapeamento e as diretrizes são fundamentais para conseguirmos implementar ações mais assertivas. Por exemplo, saber para qual área podemos contratar uma pessoa LGBTQIAP+, pois o objetivo é gerar inclusão”, explica o analista de Diversidade, Equidade e Inclusão, Eduardo Francisco de Oliveira. Na avaliação dele, a empresa precisa identificar a população e, através da escuta, entender o que essas pessoas sentem. 

Para o diretor de Inclusão, Diversidade e Sustentabilidade Corporativa da PwC Brasil, Renato Souza,  é essencial conhecer muito bem as pessoas que atuam na empresa, pois esse mapeamento vai determinar mais assertividade. “As empresas que possuem estratégias mais maduras de  diversidade e inclusão podem olhar para desafios mais complexos. E eu destaco dois: dados e encarreiramento. Os dados permitem que as estratégias de desenvolvimento sejam mais assertivas", ressalta.

Souza afirma ainda que o encarreiramento de pessoas LGBTQIAP+ se faz mais urgente a cada dia, para garantir que elas possam se desenvolver em seus pleno potenciais. "Diferentes não podem ser tratados de forma igual. As estratégias afirmativas para encarreraimento das pessoas LGBTQIA devem estar dento do contexto das estratégias de inclusão e diversidade", alerta Souza. 

Indicadores LGBTI+ são fundamentais para nortear políticas públicas


A falta de indicadores sobre a população LGBTI+ é um aspecto que gera muitos problemas, pois ‘desconhecemos’ grande parte dessa parcela da população. “A Inglaterra é o único país que especifica dados de orientação sexual e identidade de gênero no censo. Aqui no Brasil, o E-Social já permite que o colaborador trans possa ser contabilizado e apareça com seu nome social”, diz o secretário Executivo do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, Reinaldo Bulgarelli. 

Segundo ele, as empresas mais avançadas na conscientização do tema dentro de suas políticas ESG já estão fazendo cadastro do colaborador por autodeclaração. De acordo com Bulgarelli, não é censo interno, nem pesquisa, é cadastrar a pessoa no seu sistema diante do Ministério do Trabalho. 

“Esse aspecto é tão importante para pautar políticas públicas que cito três exemplos práticos que mudam inúmeras situações: se uma pessoa trans vai à Delegacia de Polícia fazer uma queixa, o modo como é inserida no sistema de Justiça, se homem ou mulher, faz toda a diferença na tipificação do crime e no combate ao racismo e à LGBTfobia. A outra situação  é avaliar do ponto de vista do Sistema Único de Saúde (SUS) como as pessoas LGBTI+ estão recebendo atendimento; estão sendo respeitadas, estão tendo suas questões básicas atendidas devidamente?”, diz Bulgarelli.

Outro ponto destacado por ele é pensar em um casal de lésbicas que teve um bebê: quem terá direito de tirar a licença maternidade? São inúmeras as questões necessárias para a sociedade debater. “No Brasil, nesse aspecto LGBTI+, tudo é decidido pelo Supremo (Tribunal Federal), o Congresso não vota nada sobre esse tema. Atuando nesta área há mais de duas décadas, digo que sou otimista, estamos avançando, mesmo que de forma lenta. Tendo mudança na cultura, a gente consegue consolidar uma mudança da lei, e uma vai impactando na outra”, finaliza Bulgarelli.

Mapeamento nacional

Um levantamento feito pela consultoria Mais Diversidade em 2020 indicou que 61% das companhias tinham grupos de afinidade para tratar questões LGBTI+, mas em metade dos casos havia falta de direcionamento estratégico. 

 

Desalinhamento de percepção entre líderes e funcionários

Quando o assunto é Diversidade, Equidade e Inclusão (DE&I) existe uma discrepância das percepção dos funcionários e dos líderes. Para 54% das lideranças, esses valores são vistos como prioritários na organização. Já entre os trabalhadores, cai para 39% o percentual daqueles que enxergam que a diversidade está sendo priorizada. A pesquisa é global e foi feita pela PwC. Foram ouvidos mais de 6.000 entrevistados de 52 países diferentes. 

Segundo o diretor de Inclusão, Diversidade e Sustentabilidade Corporativa da PwC Brasil, Renato Souza, observar  essas divergências é importante para refletir sobre a importância da estratégia de comunicação dentro do processo de construção de uma cultura de diversidade e inclusão.

“O que o estudo evidencia é  que existe um desencaixe entre geração de valor que é gerado e o que é percebido pelos diferentes públicos. Isso nos mostra que além de tudo que está sendo feito, a gente precisa parar e entender se estamos atendendo às reais demandas de cada um dos públicos e trazer ferramentas para que cada um consiga desenvolver o seu pleno potencial dentro das organizações", analisa Souza.


Você sabia que…

O único país do mundo que tem o quesito LGBTI+ no seu censo demográfico é o Reino Unido? 

 

Você sabia que…

Foi somente em 2019 que a Organização Mundial de Saúde retirou a transexualidade do catálogo mundial de doenças? E somente no ano seguinte o Brasil retirou do seu sistema de saúde tudo o que tinha correlação entre doença e transexualidade?