Opinião

A ECMO e a transformação feminina na área da saúde

Combate à Covid-19

Por Dra. Ana Luiza Valle Martins
Publicado em 01 de dezembro de 2021 | 03:00
 
 

Com a revolução no combate à Covid-19, poucas áreas mudaram tanto nos últimos meses quanto a medicina. Mas será que mudaram mesmo? Segundo a Organização Mundial da Saúde, apesar de as mulheres representarem 70% da força de trabalho do setor no mundo, ocupamos apenas 25% das posições de liderança.

Como médica, entendo que os números sejam sintomas de uma sociedade que ainda acredita no homem como único líder. Para a mulher ganhar espaço, uma alternativa são as áreas ligadas à inovação ou segmentos específicos da medicina, hoje pouco explorados.

A partir dessa percepção, busquei novos caminhos. Em 2018, participei de um programa na Bélgica, onde estudei 150 casos de uso da oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO, na sigla em inglês). Um “pulmão artificial” que apoia a cura de lesões responsáveis por insuficiências cardíacas ou respiratórias momentâneas, permitindo ao sangue realizar trocas gasosas, até que o corpo tenha condições de fazer isso novamente sozinho.

No estudo, havia desde um caso de afogamento, que exigiu substituir as funções pulmonares por alguns dias, até pneumonia severa e apoio no transplante cardíaco. Se morassem no Brasil, dificilmente algum dos 150 pacientes teria sobrevivido, devido às barreiras de acesso à ECMO.

Ao lado de duas colegas (uma médica e outra, enfermeira), decidi tentar mudar esse quadro. Em 2019, fomos pioneiras ao participar da implantação de um centro de ECMO em um dos principais hospitais privados de BH. O primeiro atendimento foi a uma criança com disfunção cardíaca, e, na sequência, lideramos uma iniciativa para democratizar o acesso à ECMO.

Logo depois, em 2020, foi identificado o sucesso do procedimento contra a Covid-19, ajudando a tornar a terapia conhecida. Aí fomos convidadas a montar equipes especializadas nos hospitais e a participar de projetos de capacitação. Começamos também a transportar uma estrutura móvel até centros de referência para realizar o procedimento nas UTIs. 

Nessas situações, não raro sentimos o preconceito contra a mulher, quando um profissional de saúde ou familiar de paciente perguntava: “Mas são só vocês três?”. Como se esperasse um doutor, um homem, um chefe a coordenar três mulheres lutando de forma independente pela afirmação da terapia no país.

Nossa mais recente conquista aconteceu com uma estudante diagnosticada com Covid-19, em um hospital público. Sua morte era dada como certa. Enquanto há inúmeros focos de resistência para o uso da ECMO no SUS, uma empresa doou equipamento e remédios, nossa equipe doou tempo e dedicação. Em nove dias, a estudante estava livre do vírus graças à terapia, que facilita a recuperação, aumentando qualidade de vida e diminuindo no longo prazo gastos com saúde.

Se contos de fadas reforçam o estereótipo de que, no fim, o príncipe salva a princesa, mostramos na vida real que a mulher pode salvar príncipes, princesas e muito mais.