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Opinião

A natureza da coisa pública

Publicado em: Qua, 27/10/21 - 03h00

A nação vive sua adolescência. O país em que cresci, frequentemente acusado de ser alheio, alienado da sua própria condução, subitamente se viu cheio de opiniões. Calhou que essas opiniões viessem de forma dissonante e polarizada, majoritariamente pautadas por insatisfação, frustração e raiva. Seguindo com a metáfora com que abri, é como se aquela nação de infância pobre, miserável, mas de alguma forma feliz, se visse agora angustiada, de mal consigo. Mal resolvida com suas dores do crescimento.

Suponho que seja natural, que faça parte da evolução de uma sociedade que emergiu de um regime autoritário e com censura e que agora tem que aprender a fazer uso dessa liberdade. Mas quanto tempo dura a adolescência de uma nação? Décadas? Qual o nosso papel, o papel de cada um de nós, cidadãos, nesse amadurecimento?

Isso posto, vale ressaltar, então, que é nessas circunstâncias que a maior pandemia em cem anos nos encontrou. Vivemos, sem qualquer dúvida, um momento histórico, turbulento, em que a desídia não é uma opção. A nação tem que buscar mais responsabilidade, mais maturidade. Passou da hora de abandonar juízos infantis e rasos, de que tudo o que se faz no Brasil é necessariamente ruim ou de má qualidade. Essa pecha autodepreciativa, nivelando por baixo tudo o que é público, não conduz ao crescimento.

A mídia livre é um dos esteios da democracia. Portanto, é imprescindível à nação que os veículos de comunicação ressoem a verdade em seus espaços. É o básico, é o mínimo. E isso vale para acusações de qualquer natureza, sejam contra o “cidadão comum” da esquina, funcionários públicos, “políticos importantes” ou contra uma instituição pública centenária. A liberdade de opinião não pode ser justificativa para distorcer a verdade ou tratar de maneira irresponsável a reputação de pessoas ou instituições.

Sou médico do SUS, desde 2003 trabalho no serviço público e, muito pela natureza de minha especialidade, infectologista, trabalhei principalmente com populações marginalizadas, desfavorecidas. Nesse período, vivi momentos de maior ou menor encantamento com a máquina pública naquilo que, na minha visão de médico da linha de frente, ela se propunha a fazer, que era atender essas populações, os meus pacientes. Hoje compreendo que é raso, é pobre julgar servidores públicos ou a máquina pública como algo inerentemente “bom” ou “mau”. Sim, a máquina pública é morosa e por vezes frustrante e injusta. Por outro lado, foi o SUS, como está posto, que permitiu que a pobre resposta brasileira à Covid não se transformasse em uma tragédia ainda maior.

O caminho para o crescimento passa por apontar onde essa máquina deve melhorar, não de forma vaga, mas sugerindo onde e como, e isso de forma precisa. Não é uma tarefa fácil, dá trabalho, pois isso tem que ser feito com substrato técnico, com embasamento.

Na Fundação Ezequiel Dias (Funed), que completou em agosto 114 anos, assumi o cargo de presidente em novembro do ano passado. E, de fato, não tenho hoje dúvidas de que a fundação apresenta enormes desafios a serem superados. E esses problemas são diversos e complexos, com uma miríade de interfaces que perpassam inúmeras áreas dentro da Funed e fora dela, assim como em outras secretarias, órgãos de controle, Legislativo etc. Mas é importante ressaltar que, se encontrei desafios, também achei, em igual medida, um corpo de servidores públicos comprometidos com a sua entrega para a sociedade. Mais que isso, percebo um orgulho legítimo de seu trabalho por parte dessas equipes, quer seja no laboratório, na pesquisa, na indústria ou nas áreas-meio. Orgulho de um trabalho árduo, por vezes exaustivo, mas por meio do qual enxergam a entrega para um “cliente” muito específico, o cidadão. Afinal, a Funed trabalha para o SUS.

Este é o mundo real, com defeitos e qualidades, pontos fortes e fracos, e não a narrativa bipolar que com frequência vejo retratada a respeito da Funed: ora mazela administrativa, ora superpotência latente para todos os problemas da saúde em Minas. Sim, é preciso melhorar, mas, para que isso seja possível, é preciso estar disposto a conhecer a instituição por dentro.

Ora, é de todo interesse do servidor público (e eu sou um deles) que, se há algo inadequado, incorreto, ineficiente, que seja visado e corrigido. E não tenho, tampouco, dúvida de que a mídia, a transparência e o acesso à informação são imperativos para que isso se dê de forma perene e consistente, atravessando gestões. Justamente por isso a mídia tem uma grande responsabilidade em nos guiar, enquanto sociedade, por tempos tão turbulentos. Afinal, é o que todos buscamos, o crescimento.

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