Há muito tempo que vivemos numa sociedade marcada pelo hiperconsumo, ou hiperconsumismo. Essa sociedade evoluiu a partir da Revolução Industrial, que, com suas máquinas, retirou a produção do seu modo artesanal e lento para um aumento da quantidade da produção dos bens de consumo. Essas mudanças não são isoladas e sem efeitos

O modo de funcionar do capitalismo também afetou a construção cultural e social. Com mais produtos sendo ofertados, necessitava-se de um número maior de consumidores que passaram a ser alvo do marketing de massa objetivando provocar nas pessoas uma necessidade de compra. Os objetos oferecidos passaram a carregar consigo um certo valor, um ideal aspirado por um número cada vez maior de indivíduos. A difusão do crédito permitiu que as pessoas pudessem almejar algo a mais do que suprir as suas necessidades básicas, e o consumo foi aos poucos se transformando, adquirindo o aspecto que vemos hoje que é consumo de um certo modo de vida. 

Culto à felicidade

O filósofo francês Gilles Lipovetsky, teórico da hipermodernidade, diz que as sociedades passaram a se organizar em torno de um projeto único que é criar um cotidiano mais confortável e fácil, sendo isto o sinônimo de felicidade. Esta mudança de mentalidade provocou uma revolução dentro do próprio consumo dando início à sociedade do hiperconsumo. O culto à felicidade é o ponto central do hiperconsumismo, e toda compra é justificada pela proporção de felicidade que alguém poderá obter a partir do consumo de determinado objeto ou experiência. Este culto à felicidade legitima os prazeres, desculpabiliza o consumidor e promove o usufruto do presente, sem muita ligação com o futuro.

Priorizando os prazeres momentâneos e sem muito foco no futuro, este modo de pensar mais hedonista é também mais individualista. Busca-se felicidades individuais, otimização do corpo, saúde ilimitada e experiências personalizadas. O valor da experiência individual e personalizada supera o valor financeiro do consumo, muitas vezes justificando o próprio consumo e endividamento. 

É uma busca do prazer da experiência por ela mesmo, e não uma busca por ter algum objeto palpável. Há muito tempo um telefone celular deixou de ser um meio de comunicação e passou a ser a experiência que ele proporciona. E assim é com muitos outros objetos cuja utilidade lhe foi extraída para proporcionar emoções novas. O que é comercializado é o prazer, a satisfação a novidade. Não se pode mais dizer que felicidade não se compra.

Não é apenas o mercado que constrói essa sociedade do hiperconsumo, mas a cultura da busca de prazeres imediatos também participa em promover e manter o hiperconsumismo. Este é um ponto central na discussão dos processos de subjetivação do mundo contemporâneo. Nesta estrutura tudo vira objeto e tudo é consumível. A utilidade do objeto se encontra aí: pode ser consumido, portanto, é útil! Aos sujeitos resta obedecer ao slogan da Coca-Cola: enjoy!

Com ofertas em excesso e um imperativo do prazer uma das principais consequências da sociedade do hiperconsumo são as adições: de substâncias, de tecnologia, jogos de videogame ... Porém, não é apenas o sujeito que consome o objeto, ele também é consumido pelo objeto e o que lhe é subtraído é o seu tempo de vida. Cada vez mais os objetos vão se apresentando como irresistíveis e sedutores nos capturando a ficar horas e horas diante dele assistindo, jogando, “curtindo”, limitando o contato com as outras pessoas.

Cada vez mais individualizada, a sociedade do hiperconsumo vai provocando um isolamento social que ora é sentido como angustiante quando penso e ora é sentido como prazeroso quando “curto”.