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Opinião

É possível falar de um Vale do Silício em Minas Gerais?

Publicado em: Sex, 02/07/21 - 03h00
Juliano Alves Pinto | Foto: Arquivo pessoal

Ao analisarmos a dinâmica da inovação, por meio do desenvolvimento de novas tecnologias e o lançamento delas no mercado, é preciso enxergá-la também sob o ponto de vista do espaço. Para inovar é preciso ocupar um espaço físico, como parte de território específico, dentro do qual acontecem múltiplas interações; eis os chamados “ecossistemas de inovação”.

Nos polos de tecnologia, a concentração de atores num mesmo território favorece a interação e a colaboração entre múltiplas instituições nas esferas de governo, academia e iniciativa privada, que propiciam a criação de um campo fértil para a geração de novas tecnologias. Como uma espécie de evolução do conceito de cluster, um verdadeiro ecossistema de inovação diz respeito à região que apresenta altíssimo grau de complexidade e que segue regras de retroalimentação semelhantes aos ecossistemas encontrados na biologia.

Tamanho o dinamismo de interações que normalmente é encontrado nos ditos “ecossistemas mais maduros”, tais como o Vale do Silício californiano, é possível delinear uma ampla gama de relações interinstitucionais, formais e informais, dentro de uma cultura colaborativa, capaz de produzir novas tecnologias em escala exponencial. Tal qual o Vale do Silício, que não passa de uma grande região metropolitana pouco maior que a de Belo Horizonte, não há como se falar em ecossistema que abranja um Estado inteiro ou um país, a menos que as dimensões territoriais, escala e qualidade da tecnologia gerada, como no caso de Israel, assim o justifiquem.

Sendo o quarto maior Estado da Federação, Minas é frequentemente tratada como se fosse um único grande ecossistema de inovação; nada mais distante da realidade, seja do ponto de vista da concentração, seja da própria maturidade enquanto unidade territorial geradora de novas tecnologias. Embora seja raro que tenhamos no Brasil um ecossistema suficientemente desenvolvido para ser comparável aos grandes polos tecnológicos do mundo, é possível identificar alguns ecossistemas em estágio evolutivo promissor, como o de Belo Horizonte, enquanto segundo maior parque industrial do Brasil e que tem a UFMG como grande irradiadora de conhecimento.

Chamo a atenção, contudo, para outra porção do território mineiro, que embora frequentemente lembrada, precisa ser alvo de políticas públicas mais focadas, o que representaria verdadeiros saltos de competitividade para o país como um todo. Trata-se das cidades de Itajubá e Santa Rita do Sapucaí, no Sul de Minas, separadas por apenas 40 km de uma rodovia de pista única. Juntas representam uma das mais importantes regiões de desenvolvimento tecnológico da América do Sul.

Itajubá notabiliza-se por ter uma grande universidade federal, a Unifei, cuja excelência em engenharia elétrica e pesquisa em energia não renovável são internacionalmente reconhecidas. Com cerca de 100 mil habitantes, temos em Itajubá a maior concentração de startups por município do Brasil, além de uma importante aglomeração industrial do setor aeroespacial e de defesa, bem como a presença do Laboratório Nacional de Astrofísica.

Santa Rita do Sapucaí, por seu turno, representa aquilo que de mais avançado o Brasil já desenvolveu em matéria de telecomunicações. O Inatel, instituição privada de ensino e pesquisa, foi pioneira ao criar uma incubadora de empresas de base tecnológica nos anos setenta, quando o assunto ainda era novidade nos EUA. Santa Rita tornou-se no ano passado o primeiro parque tecnológico aberto do Brasil, iniciativa que contou com a participação direta deste articulista no âmbito da Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais.

Falar da singularidade e da excelência dessas duas cidades ocuparia mais do que o espaço de um único artigo de jornal. É preciso, porém, apontarmos para a necessidade de melhor integrar ambos os municípios, para que ali tenhamos o primeiro ecossistema de inovação brasileiro de relevância global. Venho observando o interesse crescente de atores de ambas as cidades em aprenderem as boas práticas de um e de outro e permitir que mais interações ocorram. No entanto, obras de infraestrutura como a duplicação da BR–459 e a implantação de um aeroporto regional fariam toda a diferença.

Vale ressaltar que o Vale do Silício é também produto da integração de duas grandes cidades californianas: San Francisco e San José, distantes uma da outra em cerca de 75 km. É justamente nas autopistas que unem ambas as cidades que salta aos olhos a grandeza do Vale do Silício, onde se encontram instaladas gigantes como Google, Facebook, HP, Oracle etc. Talvez tenha chegado a hora de pensarmos o território de forma mais estratégica, com o olhar voltado para a competitividade e para a inovação, para que finalmente tenhamos algo próximo do Vale do Silício californiano no Brasil, quem sabe em Minas Gerais.

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