O atual cenário, no qual tudo é polarizado, sem espaço para reflexões, capturou as discussões sobre como enfrentar a pandemia. Assim, o “economia versus vida” rendeu. Nas redes sociais, ai de quem ousou equilibrar as discussões. Até passou despercebido que tal antagonismo esbarrava na realidade. Com a liberação do auxílio de R$ 600, em apoio aos mais impactados financeiramente, recordemos a imagem de muitos (infelizmente) aglomerados na porta das instituições financeiras, apesar de cientes dos riscos de contaminação. Há que se pensar: será que só os carentes sabem que economia e vida são mesma coisa?

Atribuo tais polarizações, que também se dá entre economia e ecologia, a um preconceito cristalizado por confusão conceitual e relacional entre economia, mercado, acumulação de bens e desigualdade social, imprópria mesmo para não economistas, como eu. Quem sabe, nas palavras de Kate Raworth, autora da “Economia Donut”, essa confusão exista porque “não aprendemos para que serve a economia, mas sim como o mercado funciona e porque funciona”. Ou, nas de Amartya Sem, em “Desenvolvimento como Liberdade”, ao falar de mercado: “Ser genericamente contra os mercados (mecanismo de troca) seria quase tão estapafúrdio quanto ser genericamente contra a conversa entre as pessoas (por pior que sejam essas conversas)”.

Bom lembrar que economia e ecologia têm a mesma gênese, no prefixo eco, do grego “oikos”, que significa “casa”. Sendo ecologia a junção com “logos”, que significa “estudos”, e economia a junção com “nomos”, que significa “ordem”. Portanto, essa polarização não tem respaldo fático e conceitual. Apesar disso, domina fóruns formuladores de políticas públicas, impedindo o avanço de alternativas econômicas (ordenamento da casa) que utilizem mecanismos de mercado (mecanismo de troca) como meio para um novo modelo de desenvolvimento, que considere a ecologia.

Apesar desse cenário paralisante, algumas boas iniciativas nacionais se impõem. Entre elas, destaco práticas do embrionário e promissor mercado de carbono. Exemplo recente e notável é o Renovabio – Política Nacional de Biocombustíveis. Estranhamente pouco conhecida, fora do nicho da cadeia dos biocombustíveis, e pouco comemorada por gestores e ativistas ambientais. O Renovabio é, de fato, política ambiental inovadora, diria até revolucionária. Resumidamente, é um incentivo ao uso de biocombustíveis, a partir da redução da emissão de carbono total dos combustíveis vendidos no país, gerando créditos de descarbonização, os CBios.

A experiência do Renovabio demonstra capacidade nacional, acúmulo de conhecimento e know-how para a implantação de modelos econômico-ecológicos semelhantes. A pandemia escancara quão ultrapassados são os sistemas econômico e de gestão ambiental dominantes. Não mais respondem aos desafios deste nosso século e às crises financeiras, sociais e ambientais, cada vez mais frequentes.

É preciso pensar e implantar modelos que integrem “economia & ecologia” e assim construir algo novo. Concluo citando novamente Kate Raworth: “O mercado, que é poderoso – portanto, integre-o com sabedoria”.