Faltando dois meses para as eleições de 2022, amplos setores da sociedade brasileira manifestam sua indignação com o grave momento que o Brasil vive em razão das contínuas ameaças à democracia e ao sistema eleitoral. É o que demonstra a “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de direito”, lançada, na última semana, pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), que obtém extraordinária adesão, notadamente de segmentos que até aqui se colocavam em apoio ao presidente da República, tornando-se desde já um histórico e relevante documento.
Repete, como é significativo lembrar, o manifesto de agosto de 1977, lido pelo professor Goffredo da Silva Telles, que comemorava os 150 anos de fundação dos cursos jurídicos no Brasil e também denunciava a ilegitimidade do então regime militar e o Estado de exceção que o país vivia a partir do golpe de 1964. Aquele manifesto alcançou a repercussão desejada e rendeu, entre outros frutos, a convocação da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988, que garantiu o retorno à legitimidade das instituições democráticas brasileiras. Se naquele momento a luta era contra a ditadura, o desafio atual é salvar a democracia.
A realidade confere ao Manifesto da USP, e não só pela representatividade dos seus signatários, uma dimensão histórica, política e moral de inquestionável relevância no grave momento que vivemos.
Seu conteúdo não só repele as ameaças de retrocesso democrático, mas lembra que há muito a ser feito para reduzir as desigualdades sociais, suprir carências dos serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. E lamenta a ausência de ações efetivas para o desenvolvimento das potencialidades econômicas desse imenso Brasil. Além disso, expressa a consciência crítica de que tanto os brasileiros precisam neste momento.
O texto alerta que, em vez de uma festa cívica, em que todos são chamados ao direito fundamental do voto, passamos por momento de perigo para a normalidade democrática, em que é questionada a lisura do processo eleitoral, que todo o mundo reconhece como eficiente e confiável.
E repetem-se ameaças de ruptura da ordem constitucional, com incitação à violência, golpes e rupturas. O manifesto convoca as brasileiras e brasileiros a ficarem atentos à defesa da democracia e do respeito ao resultado das urnas, na condenação aos arroubos autoritários, referindo-se, mesmo sem citá-lo, ao atual ocupante do Palácio do Planalto e suas atitudes irresponsáveis.
Torna-se fundamental essa “vigília cívica” de todos para a qual o manifesto convida. Qualquer erosão à democracia no Brasil vai desacreditar ainda mais nosso país em todo o mundo e trará situação de conflito incompatível com o esforço de retomada do crescimento econômico de que tanto precisa. Não há mais espaço no mundo para retrocessos autoritários.
E nem para mentiras, manipulações grosseiras, atitudes incompatíveis com a função pública, gestão irresponsável que destrói conquistas, paralisa o país e agrava a pobreza e a fome, induz ao descrédito internacional. A luta fundamental neste momento é em defesa da democracia representativa, o Estado de direito e respeito aos direitos fundamentais, bandeiras bem expressas na importante carta.
Kerison Lopes é jornalista