Em 2024, repetindo o que ocorre nos anos bissextos, o eleitor tem o dever cívico de votar, para consolidação, na esfera municipal, da alternância de poder, cânone da democracia representativa. Assim como o ano bissexto aproxima o calendário do ciclo de translação da Terra, as eleições municipais prenunciam o final e o início de um novo ciclo de representantes nas prefeituras e nas Câmaras de Vereadores.
O direito de representar o cidadão, em contrapartida, gera deveres para os representantes eleitos, em especial para prefeito e presidente de Câmara de Vereadores, incumbidos de gerir bens e recursos públicos.
Nesse contexto, é imprescindível discorrer sobre transição de governo e sobre regras de final de mandato. Dois assuntos que têm substrato, entre outros, nos princípios da continuidade administrativa, da não surpresa e da supremacia do interesse público.
A transição de governo constitui processo político, em que é possibilitado ao eleito receber informações e documentos inerentes a ações, projetos e programas em andamento, necessários ao planejamento da nova gestão e à prática dos primeiros atos depois da posse.
Tal processo, além de evitar que ações essenciais à concretização de políticas e de programas prioritários sejam descontinuadas, robustece o sistema democrático e a cidadania.
Em Minas Gerais, além da Lei 19.434/2011, que dispõe sobre a instituição de comissão de transição, o § 1º do art. 174 da Constituição Mineira reza que: “A equipe de transição de governo indicada pelo candidato eleito para o cargo de prefeito terá pleno acesso às informações relativas às contas públicas, aos programas e aos projetos de governo, nos termos de lei municipal”. Urge, pois, a regulamentação da matéria pelos municípios, para que, efetivamente, haja transição de governo a ser norteada pelo interesse público.
Existem, ademais, regras especiais a serem observadas no último ano do mandato, para coibir operação de crédito, aumento da dívida e da despesa com pessoal, inscrição de despesas em restos a pagar sem lastro financeiro, prática de condutas que possam desequilibrar o pleito eleitoral.
Exemplificando, o art. 21 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) impõe restrições para evitar aumento da despesa com pessoal nos 180 dias do fim do mandato e aumento da despesa com pessoal que tenha parcelas a serem pagas no ano seguinte.
O art. 42 da LRF proíbe a contração de obrigação de despesa que não possa ser paga no mesmo ano ou que tenha parcela a ser paga no ano seguinte, sem a respectiva e suficiente disponibilidade de caixa. O art. 73 da Lei das Eleições fixa rol de condutas proibidas a agentes públicos, para garantir igualdade de oportunidades entre os candidatos no pleito eleitoral.
Atento aos sinais dos tempos, o Tribunal de Contas mineiro realiza, anualmente, o Encontro Técnico TCE-MG e os Municípios, em que é promovido treinamento para agentes públicos. Na edição de 2024, será discutido o tema “Transição municipal responsável: desafios e estratégias para as prefeituras em ano eleitoral”. O primeiro evento será em Janaúba, nos dias 28 e 29 de fevereiro. Unaí, São João del-Rei, Boa Esperança, Coromandel, Muriaé e Belo Horizonte sediarão os outros eventos em 2024.
É possível afirmar que a transição de governo e as regras de final de mandato representam significativo avanço civilizatório da sociedade brasileira, consolidando a ideia basilar, tantas vezes esquecida, de que o ciclo dos agentes públicos é efêmero e o ciclo das organizações públicas é perene, como o da translação da Terra.
(*) Gilberto Pinto Monteiro Diniz é presidente do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, biênio 2023-2024, mestre e doutor em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e contador pelo Instituto Cultural Newton Paiva Ferreira