A vacinação virou motivo de disputa política. Prefeito que vacina mais, enquanto percentual da população, reivindica para si o título de mais eficiente e sintonizado com as urgências da população. Não é bem assim. Vacinam mais os municípios que recebem mais vacinas.

O Ministério da Saúde distribui as vacinas de forma proporcional às populações dos Estados – Minas Gerais fica no bolo das vacinas com 10% do quantitativo nacional. Mas os Estados fazem a distribuição para os municípios não com base no tamanho da população, mas no tamanho dos grupos prioritários em cada município definidos no Plano Nacional de Imunização (PNI). Veja só: até o fim de maio, Belo Horizonte já havia recebido vacinas equivalente a 60,44% da população; Contagem, 32,57%; Betim, 27,38%; e Ribeirão das Neves, 24,67%.

Estava certa a prefeita de Contagem, Marília Campos, quando afirmou: “O discurso da eficiência na vacinação mascara a distribuição desproporcional das doses de vacina”.

Temos uma proposta concreta para reequilibrar a distribuição das vacinas em Minas entre municípios grandes, médios e pequenos.

Reequilibrar a distribuição de vacinas quando o PNI retomar a vacinação por faixa de idade de 18 a 59 anos.

Não vai demorar muito para que seja concluída a vacinação dos grupos prioritários definidos no Plano Nacional de Imunização. Portanto, a distribuição de vacinas, ao favorecer os grupos prioritários, ainda vai continuar concentrando ainda mais as vacinas em Belo Horizonte, mas também nas cidades-polo do interior até a conclusão da vacinação dos grupos prioritários.

Mas, quando for retomada a vacinação por faixa de idade de 18 a 59 anos (sem comorbidades), será possível, caso o governo mineiro queira, adotar, progressivamente, o critério mais universal e justo, que é a distribuição das vacinas pelo tamanho da população de cada município.

Como isto poderá ser feito?

Quando forem distribuídas vacinas, por exemplo, para o grupo de pessoas de 55 a 59 anos, o quantitativo de cada município será fixado pelo número de moradores nessa faixa de idade, deduzidos os moradores que já receberam a vacina nesse segmento etário por serem de grupos prioritários (saúde, comorbidades, professores, motoristas, operários etc.).

Um exemplo concreto: se um grande município, com base na proporção da população, tiver direito a receber 50 mil vacinas para o segmento de 55 a 59 anos e já tiver vacinado 10 mil pessoas nessa faixa de idade por se enquadrarem em um dos grupos prioritários, ele vai receber 40 mil unidades para vacinar todo o restante desse grupo. Assim, grandes cidades não receberão em duplicidade; milhares de doses ficarão no estoque comum gerido pelo Estado para avançar, paritariamente, a vacinação entre todos os municípios grandes, médios e pequenos.

Propostas genéricas não resolvem as distorções do PNI.

Iniciamos em Contagem os estudos da desigualdade da distribuição da vacina em Minas. Recentemente, o jornal O TEMPO deu grande destaque ao assunto, ainda que não citando os nossos estudos, e o prefeito de Betim também se integrou no debate da desigualdade na vacinação.

O deputado Elismar Prado, sensível a essa questão, apresentou na Assembleia Legislativa um projeto de lei que busca estabelecer uma maior igualdade na distribuição da vacina entre municípios e que prevê: “As doses de vacinas serão distribuídas para os municípios proporcionalmente ao quantitativo populacional”.

Essa redação genérica não resolve o problema porque o PNI, baseado em grupos prioritários, já está avançado, e não é possível mais reformulá-lo.

Duas maneiras de estabelecer a forma genérica são problemáticas: a) se for aplicada de forma retroativa a distribuição das vacinas proporcionalmente à população, as perdas para a capital e cidades-polo seriam tão grandes que atrasaria demais a vacinação quando for retomada a aplicação por idades de 18 a 59 anos (sem comorbidades); b) se o princípio proporcional à população for aplicado daqui para frente, ele não reverte as desigualdades da distribuição de doses que já temos até aqui. Portanto, a única forma de superar as distorções do PNI é, de forma progressiva, na retomada da vacinação por idade de 18 a 59 anos, priorizar, sem prejudicar a vacinação na capital e nas cidades-polo, uma distribuição mais ampla da vacina para médios e pequenos municípios, enquanto proporção da população, que recebera menos vacinas quando da campanha orientada por grupos prioritários.

Se o Brasil tivesse comprado vacinas para uma vacinação acelerada, não precisaria adotar os “grupos prioritários” do PNI.

O Brasil recusou ou atrasou a compra de vacinas de diversos laboratórios. Com duas fábricas de vacinas, Butantan e Fiocruz, e mais a aquisição massiva de vacinas, nosso país poderia hoje liderar, enquanto proporção da população, a vacinação no mundo. Se tivéssemos uma ampla oferta de vacinas, bastaria seguir o critério universal da vacinação por idade, começando das maiores para as menores idades (idosos são os mais atingidos pela Covid-19), que teríamos o plano de imunização mais amplo, igualitário e eficaz.

Nesse cenário, é defensável que o PNI definisse a vacinação primeiro para os grupos prioritários de 77,219 milhões de brasileiros, ou pouco mais de um terço da população.

Informa a Secretaria de Saúde de Minas Gerais sobre os critérios utilizados para definição dos grupos prioritários pelo PNI: “De acordo com o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, do Ministério da Saúde, os critérios utilizados foram: preservação do funcionamento dos serviços de saúde e proteção dos indivíduos com maior risco de desenvolvimento de formas graves e óbitos, seguidos da preservação do funcionamento dos serviços essenciais e da proteção dos indivíduos com maior risco de infecção”.

Estão sendo vacinados primeiro os trabalhadores da saúde, idosos com 60 anos ou mais de idade, pessoas com comorbidades, trabalhadores da educação, forças de segurança, trabalhadores das áreas de transporte, trabalhadores industriais, dentre outros.

Já mostramos as distorções entre as cidades até o mês de maio (Belo Horizonte já recebeu vacinas equivalente a 60,44% da população; Contagem, 32,57%; Betim, 27,38%; e Ribeirão das Neves, 24,67%). Mas existe uma desigualdade também social gerada pela campanha de vacinação.

Estudos divulgados mostram que os grupos prioritários, à exceção do grupo de idade, são formados por pessoas de classe média; isso diminuiu muito a imunização da população mais pobre, mesmo no interior da capital e das cidades-polo que receberam mais vacinas.

Daí porque existe um clamor nacional pela volta da vacinação por faixas de idade – de 18 a 59 anos sem comorbidades –, que é o critério mais universal e igualitário entre municípios e classes sociais. Mas esse critério, se não forem corrigidas as distorções do PNI, poderá manter mais acelerada a vacinação na capital e nas cidades-polo, que já têm milhares de vacinados na faixa de 18 a 59 anos dos grupos prioritários, e com as sobras de vacinas poderão descer mais rapidamente as idades do que os municípios médios e pequenos, que vacinaram menos os grupos prioritários.