Bella Goncalves

Deputada Estadual de Minas (PSOL)

Bella Gonçalves

Mais um janeiro de desastres em MG

Publicado em: Qui, 13/01/22 - 03h00
Vivemos uma eterna contradição: quando chove pouco, as comunidades ficam desabastecidas de água e a culpa é atribuída à seca. Quando chove muito, enchentes, deslizamentos de terra, rompimentos de barragem são atribuídos às chuvas. É como se os fenômenos da natureza, por si só, explicassem a dimensão da desigualdade que está por trás dos desastres que aconteceram em Minas Gerais nos últimos dias. 
 
Ano após ano, a temporada de chuvas tem causado transbordamentos em todo o Sudeste do Brasil, o que tem muito pouco a ver com a dinâmica natural dos rios. Acontece que eles foram soterrados, drenados, tamponados, obedecendo a uma estrutura urbana violenta que os nega e transforma em rios invisíveis. 
 
Essa é uma realidade que vem se perpetuando fundamentalmente nas periferias, onde vive a população negra, pobre e mais vulnerável da sociedade e onde já virou rotina a incidência de deslizamentos de terra e alagamentos de grandes proporções. Não casual, são as áreas urbanas onde há uma maior ausência de intervenções sustentáveis para minimizar os riscos à população. O nome disso é racismo ambiental, atrelado à lógica de poder da indústria das enchentes, sob a qual gasta-se milhões com o tamponamento de rios, por exemplo, enquanto não se investe nada em tecnologias para preservação de áreas verdes e mitigação de riscos para a população. 
 
Os desastres socioambientais estão sendo ampliados pela intervenção das pessoas no meio ambiente, especialmente em uma região de mineração como é o caso da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). A ação gananciosa das mineradoras tem provocado alagamentos de comunidades, rompimentos de barragens, situações de terrorismo de barragem, como é o caso das populações que convivem com o permanente alerta de rompimento dessas estruturas.
 
No sábado, dia 8 de janeiro, ocorreu um vazamento do dique Lisa, na mina de Pau Branco da mineradora Vallourec, em Nova Lima. O “transbordamento” aconteceu na pilha de estéril e de rejeito de minério de ferro, que foi despejado sobre a região, com possibilidade grande de contaminação de cursos d’água, como o rio das Velhas, única bacia hidrográfica não contaminada por rejeito de mineração na região metropolitana de Belo Horizonte. Embora a mineradora e inclusive autoridades públicas tentem minimizar as consequências do transbordamento, ele pode afetar gravemente o abastecimento hídrico de mais de 5 milhões de pessoas que vivem na RMBH. 
 
Outro exemplo da irresponsabilidade das mineradoras é a situação da cidade de Macacos. Após os crimes em Mariana e Brumadinho, a mineradora Vale construiu uma muralha no curso do rio Macacos, para conter uma possível onda de lama, em caso de rompimento da barragem.
 
Só que, com as chuvas dos últimos dias, a parede gigantesca, equivalente a um prédio de dez andares, tem impedido a vazão do rio, provocando alagamentos e deixando parte da comunidade isolada. Isso não é culpa dos rios ou das chuvas, é fruto da ausência de reparação histórica real. Desde os crimes em Mariana e Brumadinho, novos licenciamentos aconteceram, e falsas soluções foram propostas, entre elas, as muralhas construídas pela Vale. Isso não pode continuar dessa forma.
 
É urgente que passemos a olhar para esses fenômenos para além de prestar nossa solidariedade às pessoas atingidas. Se não houver uma mudança em nossa relação com o meio ambiente, e sem uma inversão de prioridades do investimento em moradia e estruturação das comunidades em situação de risco e vulnerabilidade, desastres como esses tendem a se tornar cada vez mais frequentes e mortais, e estaremos condenados a viver sempre um janeiro de desastres e lamentações.

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