No dia 5 de julho, a Câmara Municipal de BH aprovou em primeiro turno um projeto nefasto, contra o qual lutei quando era vereadora e que foi elaborado sem diálogo com a população em situação de rua. É um projeto protagonizado pelo Partido Novo que exemplifica o que é a aporofobia, palavra que significa aversão aos pobres.

O projeto tem várias medidas que criminalizam e fragilizam ainda mais a população em situação de rua, entre elas o recolhimento de pertences: um cobertor, uma barraca ou mesmo um papelão que pode proteger do frio.

Vale lembrar que uma decisão histórica do Tribunal de Justiça já proíbe o recolhimento de pertences nesses casos. No entanto, o projeto aprovado na Câmara quer regulamentar essa medida, que viola vários direitos fundamentais.

A população em situação de rua tem crescido no Brasil e em BH. Dados do programa Polos de Cidadania, da UFMG, divulgados em abril deste ano, apontam que no Brasil há 206 mil pessoas em situação de rua, um aumento de 7,4%. BH é a terceira capital no ranking, atrás apenas de São Paulo e Rio de Janeiro. São 11 mil pessoas em situação de rua, dado que contrasta com o recente censo do IBGE, que registra mais de 100 mil imóveis vagos na cidade. Ou seja, é viável acolher essas pessoas se houver aplicação de políticas adequadas.

Outra medida preconceituosa prevista no projeto aprovado na Câmara é mandar as pessoas para seu município de origem, muitas vezes sem o consentimento delas. Além disso, o texto prevê controle de natalidade para mulheres em situação de rua, reforçando os preconceitos sociais que acometem os direitos sexuais e reprodutivos.

Também é preocupante a autorização para a internação compulsória das pessoas em situação de rua em comunidades terapêuticas. Ou seja, o projeto ignora os serviços do SUS que atendem quem necessita de acolhimento e tratamento e ainda propõe que sejam aprisionadas, muitas vezes contra sua própria vontade, em instituições ligadas a grupos religiosos.

Enquanto esse projeto terrível foi aprovado, outro projeto de lei, que inclusive foi proposto pelo meu mandato na época de vereadora, visava proibir a colocação de estacas pontiagudas, pedras e outras formas arquitetônicas de transformar a cidade em um espaço hostil para a população em situação de rua. No entanto, esse projeto não avançou, especialmente pela atuação do Partido Novo, em mais um exemplo de aporofobia. 

O movimento da população em situação de rua aponta diversas alternativas para a superação da rua enquanto espaço de opressão. Entre as reivindicações estão a reativação do Comitê de Monitoramento e Assessoramento da Política Municipal; a elaboração e implementação de banheiros públicos; ampliação dos Centros Pop; a implementação de programa de geração de trabalho e renda; a criação de política de moradia na modalidade Moradia Primeiro; a garantia de espaços para acesso à alimentação nas nove regionais; a ampliação e qualificação de vagas de acolhimento para famílias, gestantes e puérperas junto com seus filhos; o fortalecimento da atenção intersetorial às gestantes e puérperas; a ampliação do bolsa moradia.

As pessoas em situação de rua sabem o que querem e precisam ser ouvidas. É fundamental que sua dignidade seja respeitada e que possamos combater a aporofobia nas suas diferentes manifestações. Como diz o padre Júlio Lancellotti: “A importância de nominar esse fenômeno é refletir sobre ele. De localizá-lo, de percebê-lo em nós, nas cidades, no cotidiano da vida”.

Bella Gonçalves é deputada estadual em Minas Gerals (PSOL)