No dia 23 de outubro de 1940 nasceu o rei. Pelé. Provavelmente melhor do que assistir à enfadonha seleção, seja se deliciar com documentários que exibem um esporte com mais charme. Em certo sentido, com mais verdade. Este ano, a Netflix lançou obra que tenta abarcar toda a carreira do maior da história do futebol. Quando alguém se impõe tarefa tão hercúlea, tão ambiciosa, a não ser que estejamos falando de um Ruy Castro, fracasso e sucesso estão garantidos. Só de vermos Pelé, em toda sua exuberância, o deleite já é imenso. Nesta acepção, o jogo está ganho. Mas se olharmos com um viés crítico, se o autor não for quase tão genial quanto o retratado, sempre encontraremos lacunas graves na tentativa de narrar o inenarrável, o inefável. O parâmetro da comparação pode ser também inatingível. A HBO, por exemplo, mexeu com o Pelé do cinema: Bergman.
Ali
Se o documentário acerca do segundo maior brasileiro de todos os tempos – atrás somente de Machado de Assis –, feito pela gigante do streaming, não atinge o nível da perfeita série que nos remete aos mágicos anos 90 – Jordan e Seinfeld no mesmo frame... –, “The Last Dance”, “Ali”, lançado pela PBS nos Estados Unidos há poucas semanas, se sai bem melhor no desafio de falar da vida de alguém maior do que ela. A série sobre Pelé negligencia, por exemplo, seus feitos, sua vivência no Santos. Simplesmente tiram o rei do seu trono. As Copas do Mundo são o apogeu mais óbvio. Mas como já falei aqui: a magia não está no feito, e sim na construção.
Pé no chão
Quando o gigantismo de um tópico assusta – e aqui está um sujeito que admira a pretensão pelo inalcançável (e talvez por isso tenha sucumbido ao mais fácil) –, o melhor talvez seja a cautela. Narrar passagens pontuais de uma trajetória em que os detalhes já são melhores do que qualquer roteiro. É o que Jake Scott faz com competência no recém-lançado “Knebworth”, que se “limita” ao fim de semana mágico protagonizado por uma banda que, na época, cogitava-se, poderia ser maior do que os “Beatles”.
Ambição sem fim
A ambição sem fim pode mover um gênio a se revelar como tal. O melhor escritor dos anos 90, David Foster Wallace, se não fosse pretensioso, não teria embarcado – e/ou terminado – na tentativa de escalar o Everest sem casaco que culminou em “Graça Infinita”. A ambição pode enlouquecer: claro que reduzir a tragédia de 2008 à tentativa impossível de igualar, talvez superar uma obra-prima tão grandiloquente, recairia nos estereótipos que a mídia ama perpetuar; mas em algum grau o suicídio...
Dicas
“O final da turnê”, com o ótimo Jesse Eisenberg, nos brinda com falas icônicas. Há passagem em que o Wallace da ficção divide conosco as idiossincrasias de conviver com a genialidade. Perceber o que todos os outros não percebem, em muitas medidas, não costuma ser bom. Sobretudo se o gênio em questão for viciado em ética. Não me parecem os casos de Wallace, ou Kurt Cobain, para citar outro exemplo. A obsessão não apenas por não se sujar, mas por limpar um mundo imundo...
Maior que a vida
Ali, dentro e fora dos ringues, brigou. Com vilões ou meros adversários. A vida puniu com crueldade. A posteridade consagrou.