As principais pesquisas de intenções de voto já indicavam uma provável vitória de Javier Milei na Argentina. Faltava-nos acreditar que a estrutura peronista seria vencida por um candidato com pouca experiência política e com recursos financeiros limitados. Em um dos momentos mais delicados da economia do país nas últimas décadas, as promessas do presidente eleito destoam de grande parte do que já foi feito por lá. Dolarização da economia, extinção do Banco Central, redução máxima da estrutura do Estado e busca por um caminho alternativo ao Mercosul são alguns de seus objetivos.

Antes mesmo do escrutínio completo das urnas em todo o país, o candidato adversário, Sergio Massa, do grupo peronista, assumiu a condição de derrotado e desejou sorte ao sucessor de Alberto Fernández. O atual presidente, bem como a sua vice, Cristina Kirchner, indicaram que contribuirão para a transição de governo, que já começou na segunda-feira, após o pleito. O voto econômico teve um peso muito importante: em plena crise de hiperinflação, de ampliação da pobreza e de desvalorização monetária, não foi um bom cálculo escalar o ministro da Economia para ser o candidato oficial do governo.

Para quem achou que o apoio do presidente Lula e as ações propostas pelos marqueteiros do PT seriam suficientes para reverter o quadro de vantagem do candidato libertário, a resposta veio em tempo. Não seria a primeira vez que os argentinos rechaçam qualquer tipo de influência externa nas eleições nacionais. Mesmo que o Brasil seja um importante parceiro comercial dos argentinos, a escolha de seus governantes se dá em nível doméstico, levando em consideração as escolhas de seu próprio povo.

O discurso da vitória foi um pouco menos histriônico que o habitual. Milei cumprimentou e agradeceu o seu eleitorado, reafirmou o seu compromisso com as pautas da liberdade, muito influenciado pela Escola Austríaca, e dispôs a sua energia para começar a trabalhar.

Há muito o que ser feito naquele país. Com inflação acima de 140% no acumulado de 12 meses e 40% da população em faixa de pobreza, o presidente que vencesse o pleito não teria dias fáceis para entregar um país melhor do que recebeu.

Para além dos desafios econômicos, o novo presidente terá um longo caminho político a trilhar. O Liberdade Avança, partido do qual faz parte, não terá maioria no Congresso. Será necessário um trabalho hercúleo de cooperação com os grupos mais moderados para que se aprove qualquer medida substancial.

Patricia Bullrich e Mauricio Macri serão atores importantes na construção de pontes de convergência. O plano de governo de Milei conta com reformas estruturantes, principalmente na área econômica, que não devem ser realizadas sem que haja amplo apoio popular e do Legislativo.

Sobre a relação com o Brasil, não há dúvida de que haverá ruídos de ambos os lados. Lula parabenizou os argentinos pela eleição sem citar o nome do vencedor do pleito. Milei havia proferido uma série de ofensas ao signatário brasileiro ao longo de sua trajetória eleitoral, o que acabou indispondo as duas lideranças. Não há, entretanto, condições para que a Argentina abandone de forma rápida o Mercosul. Para além da necessária aprovação congressual, tal movimento ampliaria dificuldades de transações comerciais para um dos maiores compradores dos produtos argentinos, que é o Brasil. O Mercado Comum do Sul, embora pouco eficiente, será mantido sob condições diversas.

Ao observar o mapa da América Latina comumente divulgado pelos principais meios de comunicação da região, vemos que temos mais um país em azul. A tão comemorada onda vermelha não deverá ter a proporção que teve nos anos 2000. Esperamos que os novos rumos dos argentinos sejam no sentido do sucesso.

Christopher Mendonça é doutor em ciência política e professor de relações internacionais do Ibmec-BH

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