Christopher Mendonça

Venezuela e Guiana

Disputa territorial na América do Sul

Por CHRISTOPHER MENDONÇA
Publicado em 06 de dezembro de 2023 | 07:39
 
 
Ilustração/O Tempo

Na primeira metade do século XIX, um tratado internacional assinado entre o Reino Unido e a Holanda garantiu aos britânicos a posse de um importante território na América do Sul, às margens do rio Essequibo. Essa região se tornou a Guiana em 1831 e mantinha fronteiras com o Brasil, com o Suriname e com a Venezuela, que havia se tornado independente da Espanha em 1811.

As definições territoriais da região encontraram, em diversos momentos, contestações por parte dos venezuelanos, que consideravam ser os legítimos possuidores da região cortada pelo Essequibo. Na transição dos séculos XIX e XX, em uma conferência realizada em Paris, na França, um grupo de países arbitrou que o território demandado pela Venezuela pertenceria, como definido pelo tratado anglo-holandês de 1814, à Guiana, que poderia explorar as suas riquezas naturais, bem como desenvolver as suas capacidades econômicas naquela localidade.

Os anos se passaram com grande insatisfação por parte dos venezuelanos, até que, em 1948, poucos anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, a Venezuela contestou o laudo arbitral assinado em Paris e iniciou uma campanha de retomada de Essequibo. Depois de quase duas décadas de constantes manifestações de interesse pela região, o Acordo de Genebra anula o laudo de Paris, mas mantém Essequibo sob administração guianense até que se encerrem as tratativas sobre o litígio. Meses após essa decisão, a Guiana se torna independente e preserva a sua legitimidade sobre a região.

Nos anos 1990, a ONU inicia uma missão sobre o caso. Caberia a um conjunto de países verificar todos os detalhes sobre a região para apresentar um novo laudo arbitral que garantisse a sua soberania. Apenas em 2018 a ONU chega a uma decisão e atribui à Corte Internacional de Justiça a capacidade de ser o órgão finalístico sobre o tema. Antes mesmo que essa decisão fosse tomada, um fato importante se apresenta no contexto de disputa: a Exxon Mobil, uma das maiores petroleiras norte-americanas, desenvolve uma prospecção sobre a capacidade de extração de petróleo na região de Essequibo e encontra grande resistência por parte do governo da Venezuela.

No ano de 2019, a Guiana começou o processo de extração de petróleo da bacia em disputa e imprimiu sobre o seu Produto Interno Bruto um adicional que superou os 70% em um ano. Tal salto chamou a atenção do presidente Nicolás Maduro, que voltou a contestar a posse da região e passou a defender a realização de uma consulta popular entre os venezuelanos acerca da possibilidade de invasão e anexação de dois terços da Guiana.

Não há dúvida de que a Venezuela é um país autocrático e que o resultado de um referendo atenda aos desejos de seu ditador. Com mais de 95% dos votos, Maduro anunciou, na última segunda-feira, que há grande interesse em uma ação militar para ampliar o território do seu país, fagocitando a região de Essequibo.

Há grande assimetria entre a força militar venezuelana e as capacidades materiais guianesas e, nesse sentido, toda a América do Sul mobiliza as suas diplomacias para evitar um confronto real entre os países. 
Militares brasileiros já foram mobilizados para a região como forma de sinalizar a discordância de uma ação de força. Será necessário, todavia, um posicionamento mais forte por parte da diplomacia do Brasil no sentido de dissolver a potencial tensão naquele local, haja vista que a própria Corte Internacional de Justiça definiu, na última semana, que Essequibo pertence legitimamente aos guianenses.

CHRISTOPHER MENDONÇA é doutor em ciência política e professor de relações internacionais do Ibmec-BH

*As opiniões apresentadas neste artigo são de exclusiva responsabilidade de quem o assina não representando necessariamente a posição do jornal ou da instituição de ensino à qual o autor está vinculado.