Cristovam Buarque

Cristovam Buarque é professor Emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação

O filho do mais pobre não tem acesso à escola do filho do mais rico

No Brasil, ainda estamos à espera de Mandela

Publicado em: Sex, 20/12/13 - 02h00

O sentimento universal de simpatia por Mandela tem algumas explicações: seu heroísmo de 27 anos de isolamento sem se deixar abater; a integridade física, mental e política ao sair do isolamento; seu espírito de bondade que permitiu tratar com respeito até os carcereiros; a lucidez com que decidia e falava; seu apego absoluto ao que era legítimo, mesmo quando a legalidade o permitisse fazer diferente; e sua empatia capaz de atrair o respeito de quem o ouvisse por rádio, apertasse sua mão ou o visse, mesmo pela televisão. Foram as comunicações modernas que o universalizaram, mas suas características pessoais o imortalizaram.

Apesar de todas essas qualidades, o Nelson não seria o Mandela se não tivesse tido a competência e a oportunidade de abolir as leis do Apartheid na África do Sul.

Mandela é Mandela por ter feito o que parecia impossível: assegurar ao negro acesso aos espaços e serviços reservados aos brancos. Foi a abolição do Apartheid que elevou Mandela às alturas para as quais ele estava preparado. Ele saiu da prisão inteiro e grande, mas fez-se imenso quando conseguiu que os brancos e negros se dessem as mãos como partes de um mesmo país.

Depois de Mandela, a África do Sul é um país completamente diferente do ponto de vista das relações raciais. Ele cumpriu seu papel. Cabe a seus sucessores fazer o avanço nas relações sociais, garantindo o mesmo direito de acesso entre ricos e pobres aos serviços sociais, especialmente na saúde e na educação. Com sua força e legitimidade, ele conseguiu abolir o Apartheid; agora, é de outros a tarefa de abolir a “apartação” ao longo dos próximos anos. E tudo indica que a África do Sul está fazendo seu esforço ao investir na educação de suas crianças, independentemente da raça. Porque, como ele mesmo disse, “a educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo”. Para tanto, a África do Sul tem um programa nacional e um ministério exclusivo para a educação básica.

Lamentavelmente, não é o que estamos vendo no Brasil. O nosso “apartheid” terminou quando a nobreza cedeu e aboliu a escravidão, mas em 125 anos de República não demos os passos necessários para abolir a “apartação”, negando aos pobres o acesso à escola com a mesma qualidade daquela dos ricos. Continuamos carimbando, desde o nascimento, a criança que terá ou não uma boa educação, dependendo da renda dos pais, como na África do Sul antes de Mandela, quando o carimbo estava na cor da pele da criança.

Na África do Sul, graças a Mandela, o filho do negro adquiriu acesso à mesma escola do filho do branco; no Brasil, o fim da “apartação” consiste em assegurar ao filho do mais pobre acesso a uma escola tão boa quanto a do filho do mais rico.

Aqui, ainda estamos à espera de Mandela.

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