Cristovam Buarque

Cristovam Buarque é professor Emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação

Partido sem Escola

Publicado em: Sex, 23/11/18 - 02h00

Uma das artimanhas das forças políticas conservadoras é esconder problemas da sociedade para desviar a atenção da população. Um exemplo é a obsessão pela defesa da ideia de “escola sem partido”, para fugir da realidade de que partidos e políticos não passaram pela escola.

Muito mais do que escola sem partido, o Brasil precisa de partidos e políticos que tenham passado pela escola, que conheçam história e saibam que já houve tempo de “escola sem partido”, na Rússia soviética, na Alemanha nazista, em Portugal salazarista, na Itália fascista, na Espanha franquista, no Brasil da ditadura. Não sabem os danos provocados na formação da juventude durante aqueles períodos; ou sabem e desejam a volta dos tempos em a escola tinha apenas o partido do poder.

Uma escola precisa de todos os lados do mundo das ideias, não de partido único ou nenhum partido. Devemos impedir a dominação política por partidos, com narrativas que não respeitam outras opiniões e que tentam doutrinar, no lugar de ensinar. Mas a “escola sem partido” levará professores e alunos a um campeonato de denúncias contra ideias dentro de sala de aula. Será a “escola aterrorizada”.

O caminho não é proibir o debate, denunciar o professor que manifesta uma opinião, e sim ouvir todos os lados. Se na universidade prevalece narrativa única, a falha não é do partidarismo de alguns professores doutrinadores.

De fato, grande parte de nossos universitários sofre lavagem cerebral, acredita em fantasmas históricos, é intolerante com ideias diferentes de sua doutrina. Mas a solução não é proibir o partido dominante nem substituí-lo por outra dominação. A solução não virá mais para os atuais universitários, já são geração perdida.

A saída é investir na educação de base, com total liberdade para o debate de todas as ideias, todos os partidos – uma “escola sem censura” que defenda a ideia de professores bem-remunerados e preparados, de escolas públicas bem-equipadas e com horário integral para formar uma nova geração.

Manter escolas nas atuais condições de penúria intelectual, e ainda mais sob censura, com os alunos transformados em denunciadores, e não em participantes dos debates, será cair no desastre dos países que viveram isso no passado. Precisamos de “partidos com escola”, e não de “escola sem partido”.

Quando olho os próximos anos, sinto alívio por não ter os compromissos da agenda no Senado. Mas sinto também frustração, por não votar contra “escola sem partido” nem continuar a luta por um “país com escola” de qualidade para todos.

Mesmo longe do Parlamento, continuarei defendendo que a saída é não proibir partidos nas pobres escolas que temos, mas construir escolas de qualidade, onde todas as ideias e todos os partidos possam participar do debate. Isso não será permitido se a proposta de censura for aprovada, porque “partido sem escola” constitui um partido que deseja negar o direito de “partidos na escola”.

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