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Coisas da internet

O Brasil nunca será para principiantes ou marinheiros de primeira, única e antiga viagem

Por Paulo Navarro
Publicado em 21 de abril de 2019 | 03:00
 
 
Emoldurado por suas belas modelos, o diretor criativo da marca Giuu Giu, Giulliano Oliva, em evento no Buffet Catharina Edy Fernandes/Divulgação

Há anos, circula nas redes texto atribuído ora a uma escritora holandesa, ora a um viajante inglês, tecendo loas ao Brasil como um paraíso. Texto muito bem pensado, que cai como luva e coturno nesses tempos patrióticos. Mas uma advertência: a maioria dos holandeses e ingleses apenas passa por aqui. Guarda impressões péssimas ou adoráveis. Na verdade, o Brasil nunca será para principiantes ou marinheiros de primeira, única e antiga viagem. Mesmo muitos brasileiros morando no exterior há anos caem nessa armadilha de um país tropical, bonito por natureza, abençoado por Deus, mas que nunca dá um passo sequer em direção ao futuro.

Coisas do Brasil

Diz a holandesa: “Os brasileiros acham que o mundo todo presta, menos o Brasil – realmente, parece que é um vício falar mal do Brasil. Todo lugar tem seus pontos positivos e negativos, mas, no exterior, eles maximizam os positivos, enquanto, no Brasil, os negativos. Na Holanda, os resultados das eleições demoram horrores porque não há nada automatizado. Só existe uma companhia telefônica e, pasmem: se você ligar reclamando do serviço, corre o risco de ter seu telefone temporariamente desconectado”.

Coisas de duende

Vocês acreditam nisso? Logo a Holanda, sempre à frente de todo o mundo, principalmente em comportamento e sustentabilidade. Lá, não tem Renan Calheiros. Mas prossigamos o altruísta relato da holandesa deslumbrada por contos da carochinha. “Nos Estados Unidos e na Europa, ninguém tem o hábito de enrolar sanduíche em guardanapo ou de lavar as mãos antes de comer. Nas padarias, feiras e açougues europeus, os atendentes recebem o dinheiro e com mesma mão suja entregam o pão ou a carne”. Ok, mas o que dizer sobre metade da população brasileira não ter saneamento básico?

Coisas de holandesa

Continua nossa amiga, conterrânea de Van Gogh e outros gênios: “Em Londres, existe um lugar famosíssimo que vende batatas fritas enroladas em folhas de jornal – e tem fila na porta. Na Europa, não fumante é minoria. Se pedir mesa de não fumante, o garçom ri na sua cara, porque não existe. Fumam até em elevador. Em Paris, os garçons são conhecidos por seu mau humor e grosseria, e qualquer garçom de botequim no Brasil podia ir pra lá dar aulas de ‘como conquistar o cliente’”.

Coisas nossas

Mais um parêntese para holandês abrir os olhos e ver. Enrolar peixe ou fritas em jornal é sinal de que os londrinos leem, hábito alienígena no Brasil. Não fumantes, nestes países, têm lugar, sim, como os fumantes tinham no Brasil e não têm mais. Na Espanha e Portugal sim, fumantes reinam, mas nem tanto assim. Quanto ao mau humor, dos garçons e demais parisienses, é compreensível. Imaginem uma única cidade, Paris, que recebe mais de 30 milhões de turistas por ano e a maioria não fala francês. Irritam até Buda! Já o Brasil inteiro, tão cordial, não consegue assaltar, perdão, receber nem 5 milhões por ano.

Coisas de brasileiro

Voltemos à holandesa: “Você sabe como as grandes potências fazem para destruir um povo? Impõem suas crenças e cultura. Se você parar para observar, em todo filme dos EUA, a bandeira nacional aparece e, geralmente, na hora em que estamos emotivos. Vocês têm uma língua que, apesar de não se parecer quase nada com a língua portuguesa, é chamada de língua portuguesa, enquanto que as empresas de software a chamam de português brasileiro, porque não conseguem se comunicar com os seus usuários brasileiros através da língua portuguesa”. Parece coisa da Dilma isso.

Lança-perfume

“Os brasileiros são vítimas de vários crimes contra a pátria, crenças, cultura, língua etc. Os brasileiros mais esclarecidos sabem que temos muitas razões para resgatar suas raízes culturais”. Não entendemos. “O Brasil é o país que tem tido maior sucesso no combate à Aids e de outras doenças sexualmente transmissíveis, exemplo mundial”. Sim, preferimos morrer de dengue, febre amarela, tuberculose e sífilis. Ou na fila do SUS.

“Entre 50 cidades de diversos países, o Rio de Janeiro foi considerada a mais solidária”. Principalmente quando é inundada e seus prédios desmoronam na lama, como se de barro fossem construídos. “Mesmo sendo um país em desenvolvimento, os internautas brasileiros representam uma fatia de 40% do mercado na América Latina”. Com um dos serviços mais caros e lentos do mundo!

“Das crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos, 97,3% estão estudando”. Só rindo! “O mercado de telefones celulares do Brasil é o segundo do mundo, com 650 mil novas habilitações a cada mês”. E nossas telefônicas são campeãs em reclamação dos consumidores.

“Das empresas brasileiras, 6.890 possuem certificado de qualidade ISO-9000”. Tente abrir, ou pior, fechar uma empresa no Brasil.

“O Brasil é o segundo maior mercado de jatos e helicópteros executivos”. Já o transporte coletivo é tortura, suplício e carma. “Por que não se orgulham em dizer que o mercado editorial de livros é maior do que o da Itália, com mais de 50 mil títulos novos a cada ano?”. Então, a Itália é como o Brasil, país de analfabetos funcionais. “Quem têm o mais moderno sistema bancário do planeta?”.

Os paraísos fiscais para onde vão as propinas de nossos políticos?

“Por que não dizem que são hoje a terceira maior democracia do mundo?”. Por que democracia aqui é como amor sincero: custa caro. “Que apesar de todas as mazelas, o Congresso pune seus próprios membros, o que raramente ocorre em outros países ditos civilizados”. Paremos por aqui. Esta holandesa fumou maconha estragada.