FERNANDO FABBRINI

Codinome balaclava

Redação O Tempo

Por Da Redação
Publicado em 12 de abril de 2018 | 03:00
 
 
Hélvio

O cronista é aquele sujeito que gosta de escrever; conta casos e expõe suas ideias livremente, inclusive sobre a nauseante política nacional. Assim como os demais colegas, recebo retornos: críticas, curtidas, sugestões. Claro, fazem parte do ofício. Para tanto é que o cronista coloca sua cara e seu e-mail aí em cima. Atento à opinião alheia, ainda revejo pontos de vista e exercito meu lado de eterno aprendiz. 

Um exemplo: após relutar, devo admitir que o ex-presidente Luiz – de alcunha “Lula” – é mesmo um gênio. Graças a sua visão crítica do país, ele conseguiu resumir, em duas palavras, os ingredientes da fervente sopa sociológica nacional. Para Luiz, tudo é apenas uma questão de “nós” e “eles”. Calminha: se a afirmação parecer complexa, basta nos aprofundarmos na visão do exegeta e constatar que “nós” são “eles” e “eles” somos “nós”. Tipo isso. Mais ou menos. Entenderam? 

Brincadeiras à parte, detesto essas divisões surreais; elas contêm as sementes da discórdia manipuladas pelos mal-intencionados para zonear tudo. No entanto, começo a achar que a definição, em parte, procede. Passei a reconhecer muitos “deles” entre os que patrulham as colunas de jornais. Não são opiniões civilizadas, inteligentes, em pleno direito ao contraditório. Partem de leitores dissimulados, que não se comunicam via e-mail – porque aí revelariam seus nomes. Só escrevem comentários no rodapé da coluna e sempre sob pseudônimos. O hábito consiste em agredir um cronista, sob anonimato, e, por fim, na ausência de argumentos, atirarem seu vocábulo favorito: “Fascista!”. 

Às vezes também sou vítima. Semanas atrás fiz um elogio ao Sergio Moro e sua brilhante entrevista na TV Cultura. Um leitor – anônimo – na busca enlouquecida de alguma coisa que depreciasse o juiz, remexeu seu desespero até refutar-me que o Moro “não consegue conjugar o verbo ‘haver’ e emprega erros sintáticos”! Uau! Não é ótimo? Nesse caso, eu entendo. Como o juiz teve gônadas para desmascarar o Luiz e condená-lo, apegam-se a um detalhe absolutamente insignificante para viajarem na maionese.

Outra leitora de touca ninja censurou-me, recomendando que eu “escrevesse apenas sobre bichos”. Meu cachorro Bruno, sensível à conjuntura brasileira e solidário, tocou-me com a patinha e balançou a cabeça, em discordância. Notei que a moça tinha ficado brava após meu comentário sobre a desastrosa caravana no Sul. Ponderei que, cansada de contornar conflitos, de agir educadamente e de aguentar os finais em pizza, a gauchada quis mostrar que tinha ovos também em outra parte. E protestou pra valer, atirando-os rumo ao poleiro armado.

Fizeram errado? Há controvérsias. “Eles” – na definição luiziana – se dizem “democratas”. Porém, apoiam e incentivam invasões de fazendas, matança de vacas prenhes, devastação da agricultura alheia, quebradeira de laboratórios de pesquisas, greves ilegais, porradas em repórteres, bloqueios de rodovias, fogo em pneus (como ontem em BH, quando um grupelho de paus-mandados atrapalhou a vida de centenas de cidadãos em direção ao trabalho e ao estudo). Em seu último e patético comício-missa-show, o Luiz, raivoso e aparentemente alcoolizado, incitou a massa ao confronto. Se dizem brigões. Mas basta um revés, uma denúncia, uma gozação ou um ovinho voador para iniciarem a choradeira, encenarem farsas, chiliques e histerias dignas de um ator shakespeariano. 

Outro lugar-comum: “fascista”, hoje, é qualquer um que pense fora do velho e esfarrapado limite esquerda-direita. Ou que reclame de uma década de retrocesso; que não engula as trapalhadas do Temer (eleito por “eles”); ou até quem considere dona Dilma mulher pouco capacitada no gerenciamento de ventos. Enfim: por uma lógica peculiar e rancorosa, quem discordar de qualquer coisinha “deles” será, obrigatoriamente: a) eleitor do Bolsonaro; b) homofóbico; c) racista; d) agressor de mulheres; e) pedófilo; f) fã do Trump; g) membro da Ku Klux Klan. 

Um questionamento frequente da patrulha diz respeito à posição política do colunista. Touca ninja não se conforma enquanto não coloca seu alvo numa caixinha preconceituosa. Quando estou de bom humor e com ânimo para responder, esclareço que sou um “ex-querdista”, termo que inventei. Verdade: até votei no Luiz da primeira vez, acreditando nas promessas de fim das maracutaias. Aos poucos, feito milhões de brasileiros igualmente enganados, fui virando “direitista” – ou seja, cidadão que ainda sonha em ver este país andando direito. 

Paro aqui. Foi apenas um desabafo tardio. Mesmo assim, confiram novas, raivosas, espumantes e mirabolantes agressões ao pé da página – sem pé nem cabeça e sempre com a cara oculta pela balaclava.