Uma amiga conta que está sofrendo com a indecisão e a incômoda apatia do filho mais jovem às vésperas da idade de “virar homem” – segundo suas próprias palavras. Ela se refere à maioridade do caçula e ao momento do vestibular que nos nossos dias marca, simbolicamente, a passagem para a vida adulta. Ela reclama que o Neco (nome fictício pra ele não pagar mico) não quer saber de dureza. Dorme até às 11h da manhã porque passou a noite na balada ou ligadão online. Ainda está na dúvida entre os cursos de mecatrônica – porque adora competições de robôs – e turismo – porque deve ser massa conhecer destinos radicais. Precisa tirar título de eleitor e nova carteira de identidade – mas enrola há mais de um ano. Só mostra animação na academia, cujos resultados admira orgulhoso no espelho, bíceps à mostra. Quando volta pra casa, pede:

– Mamãe, traz meu suco!

Imagino o que seria do Neco caso ele fosse um jovem índio – e não um típico cara-pálida brasileiro. Nessa idade, em vez de ficar puxando ferro na academia e curtindo games, ele estaria se preparando para enfrentar a cumbuca de marimbondos na palhoça do pajé.

A cumbuca dos marimbondos é uma das formas variadas da Grande Porta. Nas civilizações primitivas – incluindo os antigos vikings, esquimós, maoris, aborígenes e indígenas em geral –, chega uma hora em que o jovem deve respirar fundo, sufocar o medo e atravessar a Grande Porta. Escrevi “Grande Porta” em maiúsculas porque não é uma porta qualquer: ela tem o poder de transformar garotos e meninas em adultos.

Em muitos grupos, os jovens devem se submeter a um teste de coragem, a um sacrifício do qual nenhum escapa. Numa tribo brasileira, por exemplo, eles precisam enfiar a mão numa cumbuca fervilhante de marimbondos amarelos e deixá-la dentro até que o pajé mande tirar – se o desmaio de dor não vier antes. A Porta é unissex. As meninas índias, antes de serem autorizadas a paquerarem pela taba, também devem passar por rituais dolorosos. Podem ser marcas na pele feitas à brasa; jejuns e isolamentos, tatuagens e piercings de bambu espetados sem dó por alguma índia velha e emburrada.

Vencida a dor, os jovens cheios de moral sobem ao degrau de cima na visão da aldeia. Finalmente, tornaram-se adultos – homens e mulheres – com direito a desfrutarem dos privilégios dessa condição. Podem agora acompanhar os guerreiros nas caçadas, dançar nos festins, acasalarem-se (oba!) e, sobretudo, serão considerados cidadãos, provedores e defensores da tribo.

Os antigos podiam ser cruéis, mas bobos eles não eram. Ao inventarem esses rituais, associando a transição a alguma experiência dolorosa, eles evitavam que o jovem adulto tivesse uma recaída e resolvesse virar criança outra vez. E acho que esse é o problema: muitos jovens de hoje ficam indo e vindo através da Grande Porta. Reparem: o indivíduo pega o carro da família (coisa de adulto), mas enche a cara, sai a mil por hora e bate (coisa de criança irresponsável); em seguida diz que assume as consequências (coisa de homem), mas acaba se refugiando no colo do pai e da mãe na hora de encarar o prejuízo e as chamadas penas da lei (voltou a ser criança).

Antigamente, virar homem era usar calças compridas, fumar, beber e passear na zona. Quanta besteira! Hoje, ser adulto não quer dizer apenas transar, ter carro ou cartão de crédito. Implica, também, em aprender a dizer “não” para si mesmo; a economizar a grana; a passar apertos; a morar sozinho (ou com a gata), a lavar a louça e as cuecas – e mais uma infinidade de novas atitudes e compromissos.

De boa, Neco: você vai passar o resto da vida pedindo suco pra sua mãe, cara?