Fernando Fabbrini

Escreve todas as quintas-feiras no Portal O Tempo

Novos tempos

Publicado em: Qui, 25/11/21 - 03h00

O título aí em cima talvez fosse “uma parte dos brasileiros acostumados com velhas maneiras estão tremendo nas bases”, mas achei muito grande. E também porque usar o plural “brasileiros” seria generalizar demais. Afinal, nem todos os patrícios se enquadram nessa categoria subitamente insegura após as mudanças dos últimos tempos, pandemia incluída.

Nem todos, claro. Já alguns estudantes estão tensos e insones. Morrem de medo de voltarem a ser estudantes: enfiarem a cara nos livros, serem pontuais, desligarem os celulares durante as aulas, fazerem os deveres de casa, estudar até tarde na véspera da prova. Têm medo de mudar as atitudes diante de seus professores, aqueles caras idealistas que ganham uma miséria para aguentarem desaforo em sala de aula. É a lógica: estudante que não estuda não aprende nada. Leva pau. Não se forma. Não arruma trabalho. É a vida real.

Universitários – alguns, repito – estão alarmados diante do cenário mundial. Têm pavor de competirem com aqueles coreanos, tailandeses, indianos, japoneses, CDFs do mundo globalizado, donos de currículos invejáveis. Universitário que quiser arrumar trabalho, emprego e renda no futuro, acrescentando alguma coisa útil à humanidade, deve começar a discutir consigo mesmo – em vez de praticar militância digital home-office. Que saudades! Era tão bom escrever teses intituladas “My pussy é poder: A representação feminina através do funk no Rio de Janeiro” ou “Personagens emolduradas: os discursos de gênero e sexualidade no Big Brother Brasil 10” – e ganhar aplausos da galera extasiada!

Jovens nem-nem - que não estudam nem trabalham - estão igualmente atemorizados. Pelas leis da natureza, sabem que vão crescer, que um dia perderão as mesadas da mamãe, que um dia terão de bancar casa, rango e breja com o suor do rosto. E um dia encarar um patrão chato, horários no escritório, compromissos, problemas. Tudo muda quando os boletos começam a chegar em nosso próprio nome.  

Certos políticos estão de orelhas em pé. Foram eleitos na onda da renovação; eleitos por quem deseja mudança, por gente comum que está de saco cheio das tretas & mutretas explícitas ou veladas no escurinho dos gabinetes. No entanto, muitos deles ainda chegaram lá pela esperteza, disfarçando as más intenções, sonhando apenas com a boa vida do poder. Viveriam em paz e na fartura administrando as regrinhas usuais do toma-lá-dá-cá – e estamos conversados. Só que... caíram na real após rasteiras inesperadas. Eleitores estão de olho. O jogo da vida real agora é outro. Tem gente cobrando na arquibancada. Tem gente vaiando, e é gente brava.  

Certos artistas andavam mal acostumados, felizes e milionários. Em outros tempos, não se preocupariam com esses fatores aborrecidos do chamado show-business capitalista – talento, esforço, originalidade, público, bilheteria, crítica, etc. O caminho seguro do sucesso era pavimentado com boas amizades, afinidades ideológicas e partidárias. Daí, preparava-se um projeto qualquer, com um tema qualquer da moda, e faturava-se a enxurrada de dinheiro bonzinho proveniente das leis de incentivo. Agora, complicou. Com criatividade, originalidade, bom gosto – virtudes reais do verdadeiro artista – deverão conquistar a plateia e merecer o dinheiro de cada ingresso. Dá medo, mesmo, essa vida real.

Quem anda sofrendo também é a televisão. Em passado recente, seus âncoras engravatados diziam o que os chefes mandavam fazendo a cabeça do povão com a versão mais adequada dos fatos. Com a internet, a velha imprensa caiu na real e caiu do trono. E da audiência. E do faturamento.

Novos tempos, temores generalizados. Tem gente finalmente caindo na real, ainda que seja após um tropeção nessa estrada da vida.

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