Fernando Fabbrini

Escreve todas as quintas-feiras no Portal O Tempo

Vigários, bilhetes e gurus

Publicado em: Qui, 13/12/18 - 02h00

Buscando a origem de “conto do vigário” encontrei duas versões – uma portuguesa e outra nacional. Na lusa, conta-se que trapaceiros chegavam às pequenas vilas dizendo-se representantes do vigário; autoridade na época. Traziam uma mala estufada, na qual asseguravam existir uma grande soma de dinheiro da igreja e que precisava ser guardada por algum morador. Logo surgiam interessados, e os espertalhões davam o golpe: exigiam uma grana como “garantia” e sumiam de vista. O depositário fiel – mas nem tanto – abria a mala para desfrutar da riqueza, mas só encontrava papel velho. Pode vir daí o termo “vigarista”.

A versão brasileira envolve uma disputa de dois vigários de Ouro Preto em torno da posse de uma imagem de Nossa Senhora. Para resolver a contenda, colocaram-na na sela de um burro e combinaram que a igreja à qual o burro se dirigisse espontaneamente seria a dona da imagem. Lá se foi o burrinho pelas ladeiras ouro-pretanas estacionando no adro de uma das capelas. Fraude: o povo descobriu que o animal pertencia ao próprio vigário dali; o bicho estava bem acostumado com o trajeto.

Existe o velho golpe do bilhete premiado. Um casal de aparência humilde aborda a vítima. Os dois exibem um bilhete de loteria “premiado” e pedem orientação sobre como receber a fortuna. Inventam mais: estão com pressa; moram no interior; não têm como comprar a passagem de volta. Sentindo os olhos da vítima brilharem de ganância, oferecem a ela o bilhete em troca de um valor um pouco menor que o do prêmio anunciado. Desaparecem, e o incauto corre para conferir o bilhete – claro, sem prêmio algum.

O mais recente é o golpe do guru – este, batizado por mim. Tive o desprazer de conhecer um praticante de artes marciais e piruetas no tatame que fascinava senhoras e senhoritas com seus ditos poderes. Sorridente e sedutor, dizendo-se um mago iniciado em mistérios e misticismos, conquistava almas, corações e intimidades das alunas via “sessões curativas”.

Agora a TV vem dando forte cobertura às denúncias contra o médium goiano. Triste: sei de gente que esteve lá e foi curada; acredito. Infelizmente, dessa vez o médium e a mídia expuseram o pior de seus íntimos. Ora: pacientes que procuram um sensitivo certamente estão bastante fragilizados após longa via-sacra nos consultórios médicos. Assédios morais já são asquerosos. Contra alguém deprimido mental e fisicamente, simulando fazer parte da cura, é algo repugnante.

Por outro lado, o que me incomoda é que a aparência de denúncia da reportagem não disfarça o viés de busca de audiência. Detalhes escabrosos dos assédios foram esmiuçados sem nenhum pudor na hora do jantar. Imagino quantos pais e mães devem ter sofrido para explicar aos pequenos o significado de vocábulos como “felação”. Pessoalmente, acho que crimes referentes à intimidade deveriam ser tratados apenas no âmbito judicial sigiloso – e não exibidos em estilo tabloide-sensacionalista. Existe gente que adora se lambuzar na baixaria alheia. Quanto mais escabrosa, mais salivam.

O ginecologista de São Paulo dopava as clientes, privando-as de qualquer reação, e aí se aproveitava do torpor das mulheres para satisfazer-se. Um nojo. Porém, parece-me que muitas vítimas – do conto do vigário, do bilhete falso, do mago sedutor ou do médium acusado – são adultos de posse de suas faculdades mentais; conscientes, lúcidos e orientados. Em crianças ou adolescentes, a falta de reação é compreensível; são tímidos, têm medo. No entanto, a passividade de muitas vítimas adultas sugere um excesso de candura, de ingenuidade inconcebível nos dias de hoje.

Sejam eles trapaceiros, magos, poderosos, gurus ou médiuns, desconfiem. Se rolar agressão explícita ou velada gritem, peçam socorro, chamem a polícia. Sempre na hora, não deixem para depois. E, nas emergências, usem o velho e bom método: uma joelhada certeira nas partes íntimas de quem deseja violar as suas.

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