Eu já preenchi muitas lacunas com excessos. Você já reparou como é fácil fazer isso? 

Nós todos carregamos alguns cantos vazios e acabamos usando comida, álcool, estética, bens materiais e outros tipos de distração como “tapa-buracos”. E não para por aí. Muitas vezes os excessos nascem de práticas consideradas nobres, como excesso de trabalho, fanatismo religioso e busca exagerada por intelecto ou performance. 

Até o excesso de críticas, no fundo, nasce de uma lacuna. Porque não deixa de ser uma estratégia para se autoidealizar, se projetar com algum tipo de superioridade e esconder as próprias falhas ou inseguranças. 

À medida que ganhamos clareza sobre os excessos que usamos para tapar nossos buracos internos, a tendência é irmos para o outro extremo. Acreditamos que, se nos livrarmos por completo desses hábitos, estaremos finalmente curando nossas lacunas. Contudo, é perigoso pensar assim. 

Extremos são sempre desequilíbrios. Ao sairmos correndo de uma ponta de régua para a outra, passamos do ponto de equilíbrio sem nem o enxergar e apenas trocamos as sobras de um lado pelo exagero da polaridade oposta. E, para piorar, muitas vezes jogamos a nossa essência no lixo nessa tentativa de nos livrarmos dos excessos. 

Se nosso padrão é descontar na comida nossos vazios, precisamos ter clareza de que nos livrarmos dos excessos não significa nunca mais ter prazer com a alimentação. Saborear um brigadeiro por prazer é legítimo, e é diferente de precisar do brigadeiro a cada frustração. No primeiro caso, o doce não cumpre a função de tapa-buracos. No segundo, ele se torna uma bengala. 

Se compramos em excesso quando estamos chateados, não quer dizer que, se nos tornarmos avarentos, estaremos curados. Isso pode acabar nos levando a um padrão de escassez. A distorção mora na ideia de que precisamos comprar para estarmos bem ou de que os itens que desejamos são de fato necessários para a nossa felicidade. Uma coisa é se dar o direito de se atender, quando isso é viável. Outra, bem diferente, é confundir o shopping center com terapia. 

Se somos excessivamente críticos e percebemos que isso é uma distorção, não significa que nunca mais poderemos questionar ou discordar. Isso poderia nos desconectar das nossas verdades para aceitar verdades alheias. O oposto de criticar tudo é concordar com tudo. Percebe que é a mesma distorção da insegurança, porém na polaridade oposta? 

Não precisamos deixar de gostar do brigadeiro, deixar de atender os nossos desejos, deixar de questionar aquilo com que não concordamos. Não precisamos nos livrar da nossa essência, apenas dos excessos. E se livrar dos excessos não significa se tornar um personagem ou deixar de ser quem você é. 

Se a sua essência gosta do brigadeiro, se encanta por coisas belas e tem um perfil questionador, é possível que, num momento de desequilíbrio, você extrapole no “uso” desses itens. Mas eliminar esses traços da sua personalidade seria abrir mão de quem você verdadeiramente é. 

A cura não está nos extremos. Livrar-se dos excessos é se desfazer dos exageros. E isso é bem diferente de encarnar um personagem e aniquilar sua própria essência. 

Livre-se dos excessos, mas se reserve o direito de preservar sua essência.