Você tem mais medo de perder pessoas ou de se perder de si?
Parece uma pergunta de resposta óbvia, mas, na prática, não é uma equação de solução exata.
Racionalmente, talvez todo mundo saiba que topar se perder de si para sustentar os encontros com os outros é autoviolência. Ainda assim, é o que muitas pessoas escolhem fazer.
Somos treinados desde cedo para agradar. Fomos treinados pela sociedade e pelo nosso próprio ego a atuar de forma que nos faça ser incluídos nos contextos aos quais desejamos pertencer. Estamos mais acostumados a desagradar a nós mesmos do que ao próximo. E, muitas vezes, acreditamos que esse sacrifício nos enobrece, quando, na verdade, é justamente o oposto. Sacrificar a si para atender ao mundo nos empobrece.
Precisamos nos dar permissão para desagradar. Precisamos parar de romantizar o sacrifício. Precisamos normalizar os afastamentos que podem acontecer quando expressamos nossa autenticidade.
Talvez a gente precise, de fato, perder algumas convivências para que possamos nos encontrar. Talvez alguns não aceitem, não entendam e não concordem com o nosso jeito de ser e viver. E está tudo bem.
Se Jesus, que foi “o cara”, não agradou a todos, por que é que nós ainda não assinamos a carta de alforria que nos libera para, eventualmente, desapontar as pessoas que nos cercam?
Quantas vezes nos desconsideramos para considerar as expectativas que outras pessoas têm sobre nós?
Relações que nos fazem pisar em ovos trazem a sensação constante de prisão, insegurança e inadequação. Será que existe nobreza em nos colocarmos nesse lugar? Eu acredito que não.
Flexibilizar atitudes pelo bem de um contexto ou de um grupo é saudável. Somos sociais e podemos eventualmente abrir mão de alguns caprichos para cuidar da harmonia das nossas relações. Mas precisamos saber perceber com muita clareza o que são caprichos dispensáveis e o que são impulsos vitais para a nossa essência.
Muitas vezes, por carência e por necessidade de sermos aceitos e bem vistos, abrimos mão de valores e ideias fundamentais à nossa autenticidade e nos convencemos de que eram bobagens. Erramos a dose na flexibilização e atropelamos nossas convicções para não correr o risco de desapontar as expectativas alheias. Nos desconsideramos para considerar o que esperam de nós.
Ora, se vamos, inevitavelmente, frustrar pessoas, não é melhor que isso aconteça enquanto praticamos nossa verdade?
Não somos responsáveis por preservar as aspirações que criam sobre nós. O medo de desagradar parece nos proteger da rejeição, mas, no fundo, nos priva da vida. E várias vezes nem são os olhares externos que nos roubam a liberdade, mas a nossa falta de aval interno para sermos livres e imperfeitos.
Nossas relações ficam contaminadas quando fazemos mais pelos outros do que por nós, pois, inevitavelmente, cobraremos a contrapartida e nos tornaremos pessoas “magoáveis” sempre que não recebermos do outro o mesmo sacrifício que oferecemos a ele.
No fundo, a mágoa é uma manifestação da nossa criança interior, que, frustrada por não ser atendida como gostaria, mistura birra com chantagem emocional e se sente vitimizada. Quando nos liberamos da obrigação de sempre agradar, acabamos liberando os outros da responsabilidade de sempre nos atender. E, assim, amadurecemos.
Há algumas semanas fiz aqui uma provocação sobre a dificuldade que muitas pessoas enfrentam ao dizerem “não”. Volto hoje para revelar que, no fundo, a dificuldade de dizer “não” é um sintoma inevitável para aqueles que ainda se assustam mais com a possibilidade de perder pessoas do que perder a si.
Precisamos aposentar a ideia defasada de que autopriorização é egoísmo. Não somos o centro do mundo, mas precisamos, com urgência, compreender que podemos, sem culpa, nos colocar no centro da nossa própria vida.
Que fique ao nosso lado quem admire a nossa autenticidade, porque a verdade é que nada nos aprisiona mais do que sermos admirados por aquilo que não somos.