São múltiplas as razões para a extensão das redes criminosas nas sombras do Estado. Uma das fontes desse poder oculto é a própria Constituição de 1988. Parece uma sandice, pela antinomia: a lei maior ser responsável por mazelas. Há lógica?

Ao abrir o leque de direitos sociais e individuais, a Carta construiu as vigas institucionais, conferindo autonomia, liberdade e competência funcional. O Estado liberal e o social convergiram em direção ao Estado democrático de direito, sob o qual o Poder Judiciário assume posição de relevo.

A judicialização da política, fenômeno recente, tem por base a ausência de legislação infraconstitucional, o que permite ao Judiciário entrar no vácuo e interpretar as normas.

Instituições de defesa do regime, da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais ganharam impulso. O Ministério Público, por exemplo, incorporou a missão de guardião maior da sociedade. Ganhou respeito, mas passou a ser questionado por seus exageros.

A PF se reforçou como encarregada da segurança pública, preservação da ordem e incolumidade de pessoas e patrimônio, em parceria com instâncias do Judiciário. E assim penetra nos espaços mais obscuros da vida criminosa e nos porões da administração pública. Contribui para consolidar pilares éticos e morais e preservar boas práticas políticas. Também ganhou legião de adversários por operações espetaculosas com nomes simbólicos. Como pano de fundo, a Constituição propiciou ao aparelho do Estado a competência para organizar estruturas e métodos capazes de garantir segurança e equilíbrio social.

A isso se somam sistemas como o Gabinete de Segurança Institucional, o Tribunal de Contas da União, a Corregedoria Geral da União, além do Parlamento e suas comissões de inquérito, máquina suficiente para monitorar pessoas físicas e jurídicas. Aí a coisa desanda ao abrir imensos vácuos. A política é como a água corrente: preenche os vazios.

Tarefas assemelhadas se repartem, e dirigentes são atingidos pelo fogo das vaidades. Se as ferramentas do Estado fossem desprovidas de sentimentos, teríamos gigantesca estrutura comprometida com o bem comum. Coisa difícil.

O bem da coletividade passa pelo personalismo num país que privilegia a marca pessoal. O “Estado-espetáculo” abre o palco da visibilidade. Toda ação é precedida pela louvação do dirigente. O ministro Sergio Moro é o xerife-mor, mesmo sob tiroteio. Juízes e procuradores dão o tom das orquestras da Justiça e da política. Alas se formam, matizes políticos se expandem, e o espetáculo ganha fogo alto.

A querela se espalha, como se vê hoje nos Três Poderes. O que fazer com a massa que agita atores e instituições? O óbvio: cumprir o dever nos limites prescritos pela lei, despir a vaidade, usar o bom senso para evitar duplicação de tarefas e profissionalizar estruturas, deixando-as imunes aos partidarismos. Cada Poder com suas funções. Se novo controlador vier para comandar o já existente, o país andará em círculos.