Gilda de Castro

Desprezo aos professores e o atual patrulhamento ideológico

Publicado em: Sex, 07/12/18 - 02h00

A crise moral e econômica desencadeou patrulhamento ideológico, em que se buscou um bode expiatório. Foi oportuno acusar, nesse caso, os docentes, pois eles estariam doutrinando crianças e jovens para desconstruir a família ao infundir valores dissonantes de seus pais e pavimentar o comunismo no país. Surgiram denúncias de impropriedades na orientação sexual, como se fosse a rotina nas escolas brasileiras.

Ignorou-se que a maioria preserva os modelos tradicionais de ensino, em meio a antigos problemas de infraestrutura, custeio, objetivos, avaliação, ajuste entre currículo e modernidade e qualificação dos mestres. Enfatizou-se a discussão do projeto de lei Escola sem Partido, apresentado, em 2014, por Erivelton Santana (Patriota-BA). Trata-se de uma proposta obscurantista com prescrição para a conduta dos docentes e punições aos transgressores, mediante avaliações subjetivas e adequadas à perseguição política por pais, alunos e pela instituição. Inspirou uma campanha sórdida contra esses profissionais, e a repulsa ao magistério cresceu exponencialmente. Eles têm sido menosprezados desde os anos 1960, quando as mulheres apostaram em novas carreiras.

Ilustro minha afirmativa com a observação irônica de uma empresária, em 1991: “Você tem uma profissão ridícula, porque entrega seu melhor patrimônio (o saber) aos seus alunos a baixíssimo custo. Eu faria isso apenas para meus filhos”. Não era um preconceito isolado, porque governadores justificavam, naquela época, que “as professoras não são malremuneradas, mas sim malcasadas”. Era a categoria com remuneração mais baixa do serviço público e atividade considerada bico por prestigiados médicos, engenheiros, economistas e advogados, nos respectivos cursos universitários.

As desconsiderações à docência explodiram durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, que se propôs a aumentar as matrículas escolares sem onerar o Orçamento público. Houve a hipertrofia das escolas-empresas, forjando a figura do aluno-cliente, que deve ficar satisfeito com os serviços prestados. Para tanto, ficou definida a avaliação do professor pelos discentes, mas ele se tornou subalterno ao imaturo, cujo papel é assimilar todas as lições, conforme objetivo precípuo da instituição desde a Antiguidade. Surgiram, daí, elásticas técnicas de mensuração de aprendizagem com absurdas pressões de estudantes e pais sobre os mestres, que perceberam como o seu ofício estava eivado por riscos de demissão sumária, insultos e espancamentos. Em 2001, um aluno foi repreendido por cola numa faculdade privada de Belo Horizonte; ele atirou sua prova amassada aos pés da professora, gritando: “Não vou ficar aqui ouvindo sermão de quem ganha R$ 1.500”.

O Estado e os empresários da educação têm interesses político-econômicos para atribuir aos docentes reles status, porque nenhum profissional fica diante de uma pessoa 60 horas-aula por semestre (no caso das crianças, 800 horas por ano), expondo suas teorias e suas crenças; pode ser, então, líder incontestável dos jovens por toda a sua vida. Daí, a importância de esmigalhar sua influência, mesmo que haja irremediável comprometimento do futuro do país.

O projeto Escola sem Partido será a pá de cal para a carreira primaz da sociedade moderna, porque, além dos insultos, os mestres poderão ser condenados pela Justiça ao apresentar uma teoria que não agrade a um segmento numa classe formada por alunos de diferentes origens sociais, religiosas e étnicas.

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