LAURA MEDIOLI

Anitão

De futebol, a única coisa de que se lembrava era do Pelé, aliás, a primeira coisa que perguntou era se ele jogaria

Por Laura Medioli
Publicado em 16 de julho de 2022 | 03:00
 
 
Hélvio

Década de 1970.

Por fim, consegui convencer minha mãe a deixar Anitão, a enorme e estabanada cozinheira de nossa casa, a me acompanhar no Mineirão. Antes, naturalmente, tive que convencer a própria, que jamais em sua vida havia visto uma partida, sequer pela televisão. De futebol, a única coisa de que se lembrava era do Pelé, aliás, a primeira coisa que perguntou era se ele jogaria. Claro que, com essa, quase desisti. Mesmo assim, fui em frente. Mostrei pôster, ensinei o hino, comprei bandeira e me prontifiquei a comprar uma camisa número 10, igual à do Pelé.

Dia do jogo. Tão logo chegamos ao estádio, começaram os problemas. De cara, Anitão se indispôs com a policial que foi revistá-la.

– Tá achando o quê? Nem minha mãe encosta em mim. Abrir minha bolsa pra quê? Nem te conheço! – Pronto. A confusão já estava formada. Precisou que eu, na época uma adolescente magricela e pequena, intercedesse, explicando que aquilo era necessário.

Entrando no estádio cheio, Anitão se maravilhou e queria porque queria descer para o gramado, “a maior belezura” que já tinha visto na vida. Com muito custo, sentamos próximo à banda, conhecida como “charanga do Julio”, que a todo momento tocava o hino do clube. De repente, ela desaparece, voltando cinco minutos depois. Aflita, perguntei:

– Onde você foi, Anita? Quer me deixar doida?

– Ah! Fui pedir aos moços do conjunto para tocar umas músicas mais bonitas. Eu não gostei muito desse hino, não.

“Ai, ai, ai”, pensei.

– E aí? O que eles falaram? – quis saber, já imaginando a resposta.

– Uai! Eles perguntaram o que é que eu estava fazendo aqui e que era para eu parar de falar besteira.

– E você? – perguntei, curiosa.

– Ah! Mandei tudo praquele lugar, eles, o hino deles, as “trombeta”, os “tambor”, tudo!

– Calma! – Isso era só o começo, o jogo sequer havia começado, pensava, preocupada.

Quando o jogo começou, tive de explicar passo a passo o que acontecia em campo. Mas sufoco mesmo foi quando o time adversário, não me lembro qual era na época, fez o primeiro gol, e, em pânico, vi Anitão se levantando para comemorar. Puxei-a de volta, e nada, a mulher estava eufórica. A única no meio de 45 mil torcedores que gritava. Gooooooooooooooooooollll!

Fomos salvas pela camisa que ela vestia, a de número 10.

Enfim, compreendeu que gols só se comemoram os do próprio time, jamais os do adversário. Felizmente, o Atlético venceu por 2 a 1, tendo assim mais dois gols para ela extravasar. Fim da partida. Voltamos para casa. Eu, exausta e assustada, acompanhada por uma Anitão em êxtase, que, eufórica, já queria saber a data da próxima partida.