Laura Medioli

LAURA MEDIOLI escreve aos sábados. laura@otempo.com.br

O preço do vazio

Publicado em: Dom, 11/08/19 - 04h00

Num sofisticado shopping de São Paulo, eu e uma amiga, depois de almoçarmos, aproveitamos para olhar vitrines. Confesso que me assustei (e muito) com os preços encontrados ali. Tudo bem que a bolsa é de grife italiana, couro não sei das contas, mas custar R$ 11 mil??? Uma bolsa???

Curiosa, fui sondar os preços exorbitantes das lojas. Se uma bolsa custava isso, imagina um vestido de festa? Tudo bem, são bonitos, de marcas famosas, têm um belo caimento, mas... sinceramente?

Minha amiga ri quando brinco que roupa boa é aquela que me emagrece, não importa se a etiqueta é Chanel ou C&A.

Na saída, enquanto aguardávamos o Uber do lado de fora, uma cena nos chamou a atenção: duas crianças, gêmeas idênticas, de mais ou menos 4 anos, cabelos cacheados e laços gigantes adornando os rostos delicados, eram acompanhadas por suas respectivas babás. As mulheres, com o uniforme branco, cada uma responsável por uma das irmãs. E fiquei pensando com meus botões: que vida terão essas garotas? Terão oportunidade de aprender e vivenciar alguma coisa que as fortaleça? Ou terão sempre quem as proteja, numa espécie de redoma, evitando que se machuquem do lado de fora? Ao crescerem, criarão cascas para saber enfrentar as adversidades?

Não estou questionando a babá, estou questionando “duas babás”. Será que sobrará tempo para a mãe? Ou ela pode ser dispensável?

No mesmo local, também me chamou a atenção uma mulher, acompanhada de seu motorista, que levava nas mãos pelo menos umas oito sacolas. Fiquei imaginando o que teria ali dentro e, mentalmente, comecei a fazer as contas.

Claro que os preços daquele shopping são estratosféricos porque, naturalmente, tem quem pague por isso.

Posso estar sendo intransigente, preconceituosa, mas minha consciência jamais me permitiria comprar uma bolsa daquele valor, principalmente num país onde a grande maioria da população luta para pagar suas contas de água e luz.

No dia seguinte, passeando no Parque Ibirapuera, encontramos um mundo real, pé no chão, em que jovens, adultos, crianças e uma infinidade de cachorros, bicicletas e patinetes davam o ar da graça. De tênis, caminhamos por duas horas sem ver o tempo passar. Um café, próximo ao Museu de Arte Moderna (infelizmente, em reforma), acompanhado de um pão de queijo, nos bastou para o resto da tarde.

E naquele bate-papo gostoso, nos lembramos de quando minhas filhas eram pequenas e gostávamos de passear com elas no Parque Municipal. Lá dentro, além da enormidade das árvores, um lago bonito, onde alguns pedalinhos dividiam o espaço com carpas e patos. Só não podiam passear de bode, aquele pobre coitado que puxava no dorso uma charrete colorida. Também no local, o moço dos balões a gás que, de vez em quando, escapuliam das mãos infantis.

A parada obrigatória no pipoqueiro, que compartilhava o espaço com o carrinho da Kibon. O parque era uma espécie de “Disneylândia” aos olhos das minhas meninas, na época pequenas como as gêmeas do shopping paulistano. As irmãs com seus laços enormes, e as minhas filhas com seus vestidinhos coloridos, da Feira Hippie.

Lembrávamos do tempo em que a vida era mais simples e as crianças eram crianças... Tempo em que “não” era “não”, e os filhos entendiam...

Quando se machucavam, bastavam carinho, Merthiolate e sopro e, ao perderem os dentes de leite, sorvetes e histórias de fadas.

A tarde passou rápida, quase hora do rush paulistano. Pedimos a conta e nos levantamos da mesa, deixando pra trás nossas lembranças.

Hora de sair e chamar o Uber. Do lado de fora, um mundo novo nos aguardava.