A Câmara dos Deputados preparou um pacote cheio de surpresas desagradáveis para o cidadão brasileiro. Após o período pré-eleitoral, em que as votações esbanjavam o populismo barato, o Congresso vira a chave para a listar agora os projetos corporativistas – aqueles que, se fosse possível, seriam votados secretamente – a sete chaves. 

Na última semana de votações dessa legislatura, os parlamentares resolveram ofertar um pacote de bondades para a elite política. A Câmara, que, não custa dizer, representa os interesses do povo brasileiro, aprovou o aumento salarial de deputados, senadores, presidente, vice-presidente, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), além de diversas categorias do alto funcionalismo público.

Aqueles que hoje fazem parte do 1% mais rico do país aumentaram em 18% o valor do próprio salário. De acordo com o Instituto Financeiro Independente do Senado Federal (IFI), o impacto incidente sobre o efeito cascata, ocasionado pelo aumento dos ministros, será R$ 13,6 bilhões, até 2025. Isso porque os subsídios da Corte funcionam como teto remuneratório de todos os demais servidores da administração pública. 

Um desatino indescritível. Enquanto a média salarial do brasileiro está um pouco acima de R$ 2.000, e, enquanto o Congresso finge que precisa rasgar o teto de gastos para pagar R$ 600 aos mais pobres, em uma votação rápida, fez jorrar bilhões e bilhões dos cofres para reajustar salário de quem, hoje, já recebe mais de R$ 30 mil. 


Para se ter uma ideia, 13,4% do nosso PIB é gasto para remunerar o funcionalismo, uma média mais elevada do que a que se observa entre os países da OCDE, que é de 9,9%. No combo geral, estamos em 7º lugar entre os países que mais despendem dinheiro para remunerar servidores. Essa reflexão de modo algum se destina a criticar ou desmerecer servidores que trabalham arduamente para oferecer bons serviços à população brasileira.

A discussão não é sobre trabalhar bem ou mal. A discussão é sobre o absurdo de se criar um distanciamento ainda maior entre trabalhadores da iniciativa pública e privada. O Congresso está criando políticas remuneratórias ainda mais desconexas da realidade do país. E, o pior de tudo, é que faz isso consciente dos prejuízos de médio e longo prazo. 

Na mesmo dia, sob pretexto de querer fornecer auxílio aos mais vulneráveis, criou um rombo fiscal bilionário no Brasil. Quanto contrassenso. Porque não canalizar todos esses aumentos para robustecer o Auxílio Brasil? A resposta é simples. Por que tem político muito mais interessado em agradar ao seu seleto reduto do que fazer a economia do país funcionar. Caminhamos mal, muito mal. O Congresso, que carrega a responsabilidade de pautar temas de grande relevância, como a reforma tributária e administrativa, se apequena ao optar por votar projetos que adoçam a própria boca. 

Muito embora seja bastante nítida a retaliação que o Congresso vem sofrendo de outros Poderes, ainda assim o Legislativo possui força para mudar muita coisa. Espero que a próxima legislatura seja fiel ao povo do Brasil; seja mais combativa aos privilégios e firme aos ataques diuturnos que sofre de quem quer lhes usurpar as funções. Que votações que aumentam o próprio salário ou que ignorem a saúde fiscal do Brasil sejam cada vez mais raras. 

Eu acredito que o povo do Brasil pode, um dia, se orgulhar de seus representantes. 

Lucas Gonzalez é deputado federal (Novo-MG) dep.lucasgonzalez@camara.leg.br