LUCAS SIMÕES

Ainda sobre hoje, mas para amanhã

Redação O Tempo

Por Da Redação
Publicado em 14 de janeiro de 2017 | 03:00
 
 
HÉLVIO

Veja bem. Não estávamos fazendo nada errado ou revolucionário. Só não conseguíamos acertar. De nenhuma forma, para nenhum lado, com absolutamente ninguém. Era como se estivessem parados no tempo, num lapso de indecisão morta, esperando sabe-se lá o quê, de quem, sendo empurrados por todas as canções dos Beatles que falam de amor e guerra para explicar um mundo que nunca foi nosso, um sentimento vencido por uma história que não vivemos, uma verdade que já morreu.

Acho que não há nada pior do que ir se cansando de todas as faltas de respostas perdidas num espaço-tempo que não podemos dimensionar, enquanto a única imagem que se consegue projetar na cabeça é o próprio presente branco flutuando em câmera lenta, indo embora em enquadramentos agora nostálgicos de flashes súbitos. Como pode?

Às vezes ficávamos vendo televisão por horas a fio, trocando de canais aleatoriamente, mordendo salgadinhos e tomando Coca-Cola como um gesto real de rebeldia, só para ver se alguma coisa acontecia. E então brincávamos de fazer parte da geração fã dos diálogos do Woody Allen, viciada em antidepressivos formatados em pílulas de farinha, louca por seriados norte-americanos repletos de lições de moral que nada têm a ver com nosso dia a dia.

Éramos jovens contraditórios e famintos, mais pretensos à confusão sentimental do que à beleza aberta de um sentimento abissal. Gente que ainda não havia resolvido se iria esperar ou partir. E, até hoje, se quer saber, ainda não resolveu.

Quantas pessoas você conhece que parecem ter parado no século passado, esperando encontrar sonhos atrás de portas enferrujadas, depositando as últimas fichas em aposentadorias que nunca virão – assim como os amores vencidos, esquecidos por fotografias jamais reveladas por mera distração?

Hoje, se alguém pedisse para escrevermos ao futuro, diríamos a ele que a única certeza possível a ser marcada a caneta, sem rasuras, é que a gente se reinventa. De um jeito ou de outro, a gente se reinventa. Por que um dia todas as coisas recebem a mesma alcunha de “tarde demais”. E vale mais a pena mudar do que esperar até lá. Já achei saudade uma coisa bonita de sentir. Hoje eu acho um porre, um atraso, como se o ontem fosse mais importante que o hoje ou o amanhã, dois dias que sequer podemos viver direito ainda.

Texto originalmente publicado em 27.8.16.