Hora do almoço

Comer ou não comer, eis a questão

Muitas vezes o momento da refeição se torna uma batalha, quando a criança não quer se alimentar e começa a enrolar

Por Luciara Oliveira
Publicado em 19 de outubro de 2020 | 03:00
 
 
Um momento de refeição pode ser tornar campo fértil para as mais variadas ideias Pixabay/Reprodução

Um dia qualquer, na hora do almoço. Mãe e filhos se sentam à mesa para a refeição, quando o mais novo começa a papear, enrolando para não comer.

– Outro dia eu vi o Bidu cavando buraco no quintal, aí eu fiquei brincando que tinha achado uma nova raça de cachorro, que era o cachorro-escavadeira. Então dei pra ele o nome de “cachorro-tatu”, porque ele tava igual um tatu, fazendo tanto buraco.

– Entendi.

– Mãe, cachorro tem bumbum? Eu acho que ele não tem bumbum, porque não tem essas duas bolas. Como que chamam as bolas, mãe?

– Nádegas.

– Nádegas? Que nome científico.

– Científica é a calculadora – interveio o mais velho.

– Mas calculadora é de matemática, e não de ciências. Mas então cachorro não tem “búmbigas”, né, mãe?

– Nádegas. Agora come, depois a gente conversa.

– Ah é, falei “mal errado”. Mas não é medusa, não, né?

– Medusa?

– O peixe.

– Ah, não é merluza, não, é tilápia.

– Mãe, com que você sonhou hoje?

– Eu não lembro.

– Sabe o que eu sonhei? Sonhei que nada, nada, nada existia, nem eu existia.

– Mas, se nem você existia, como você sabia que estava sonhando que nada existia? – perguntou o irmão.

– Na verdade é porque eu não sonhei com nada, por isso que eu falei que sonhei que nada existia.

– Esse papo tá ficando meio confuso. Vamos continuar a comer, gente?

– Mas, falando em sonho, mãe, você já reparou que às vezes, de noite, a lua fica meio morceguenta?

– O que é isso?

– Quando é lua cheia, e aparece vampiro, lobisomem, Jack da Lanterna, fantasma, essas coisas. Aí é lua morceguenta, igual nas histórias de terror.

– Tá bom, tá bom, já entendi. Olha que a comida já deve ter esfriado de tanto você falar. Agora come tudo, o arroz, a salada, a batata e o filé de medusa... quer dizer, de tilápia.

 

Crônica inspirada no conto “Come, meu filho”, de Clarice Lispector.