Centrão é governabilidade. Esta é a realidade que todos conhecem pelos corredores do poder em Brasília. Usado como fiador da estabilidade política, o grupo é essencial para qualquer governo que ocupe o Planalto. Alguns demoram a entender esta dinâmica e recorrem ao grupo somente em tempos de crise, enquanto outros sabem que precisam de seus préstimos desde o princípio e se entendem rapidamente com seus líderes. Lula, no terceiro mandato, faz parte daqueles que entendem esta dinâmica de poder.
Por não possuir ideologia política definida, o grupo é guiado mais pela conveniência política e suas benesses do que por um projeto de país, assim o Centrão consegue se adaptar tanto na esquerda, quanto na direita, sem maiores pudores. O fato de que possui parcela significativa de votos no parlamento credencia o grupo a ocupar o poder e alugar sua base parlamentar ao governo de plantão de acordo com suas conveniências.
O conglomerado de partidos que o representa participou de todos os governos desde que o Brasil reencontrou a democracia. Participou dos trabalhos da constituinte, sendo o fiel da balança entre os diversos grupos que faziam parte das comissões, assumindo inclusive a sistematização da nova Carta, ao mesmo tempo que era base mais fiel do governo Sarney, responsável por garantir sua governabilidade mesmo com uma inflação fora de controle.
Com apoio do Centrão, Fernando Henrique aprovou as reformas, Itamar Franco passou o Plano Real e Lula evitou o impeachment. Collor caiu quando percebeu que deveria recorrer ao grupo, mas agiu tarde demais. Dilma, que preferiu governar sozinha, foi mais uma vítima da falta de faro político e viu a manada parlamentar partir para os braços de Temer. Bolsonaro preferiu não correr riscos e entregou o governo de forma integral e absoluta.
O Centrão é uma criação de nossa Nova República, gerado por uma carta constitucional parlamentarista em um sistema presidencialista. O resultado desta disfuncionalidade foi aquilo que se convencionou chamar de Presidencialismo de Coalizão, base de nossos maiores problemas políticos. O Centrão é o motor deste sistema, fazendo com que siga em funcionamento constante em um modelo de retroalimentação.
Lula sabe que precisa governar em parceria com o Centrão, assim como fez no passado. A falha em aceitar esta realidade já derrubou dois presidentes e certamente ceifaria o mandato do próximo que ousasse rejeitar seus métodos. Ao entender esta realidade, o governo prepara o embarque do grupo, abrindo espaço para indicações em troca de apoio e votos no Congresso Nacional. Aquilo que chamamos de realpolitik à brasileira.
Os “fiadores da estabilidade política e da governabilidade” estão prontos para entrar em campo. Estamos diante de um modelo de acomodação política que se estabeleceu no Brasil desde a redemocratização, consolidado pela nossa Constituição mais recente e que segue inabalável até que surja uma profunda reforma política que altere as estruturas de poder. Até que isso aconteça, entender esta dinâmica e infelizmente jogar sob suas regras tornou-se essencial para governar e sobreviver na selva da política.