Marcio Coimbra

Márcio Coimbra escreve todas as quartas-feira em O TEMPO

Governo Bolsonaro

Réquiem para Nova Política

Publicado em: Qua, 28/07/21 - 06h00

Bolsonaro chegou ao poder embalado pela “nova política”, que compreendia a rejeição aos métodos políticos tradicionais e confronto direto com aquilo que convencionou-se chamar de “establishment”.

Era isso que o eleitor pedia em 2018, uma ruptura com os anos petistas e com os nomes convencionais que circularam pelo poder nos últimos 30 anos. Chegou embalado por este sentimento, de página virada, que brindou sua candidatura com 57 milhões de votos.

Passado mais da metade de seu mandato e com a reeleição em xeque, o presidente adotou a mais profunda guinada em seu modelo de governança com o convite para Ciro Nogueira ocupar a chefia da Casa Civil. Busca um dos mais experientes políticos do Congresso para gerenciar o governo, alguém que passou mais de 26 anos no parlamento, entre mandatos na Câmara dos Deputados e Senado Federal.

Bolsonaristas ainda estão absorvendo a notícia. Se Bolsonaro rifou parte de sua base com flertes militaristas e golpistas e outra com o despacho de Sergio Moro e da Lava Jato para fora do governo, parece que a realidade começa a se impor de maneira irrefutável neste novo desenho arquitetado pelo presidente. Depois de deixar sua base de lava-jatistas, conservadores, antipetistas e liberais pelo caminho, parece que dobrou a aposta e resolveu se livrar da nova política.

Tudo indica que Bolsonaro usou os grupos que se levantaram contra as mazelas da política tradicional apenas para chegar ao Planalto. No poder, na versão mais recente de um estelionato eleitoral, rifou reformas liberais, aproximou-se do estatismo militar, deixou os lava-jatistas pelo caminho, assim como os conservadores, aproximando-se inclusive de parceiros tradicionais do petismo. Nada mais longe do que prometeu em campanha.

Ao enterrar a nova política, Bolsonaro encerra também um dos capítulos mais importantes da história recente do país. Um levante popular contra os desmandos e malfeitos da classe política, impulsionados pela Lava Jato, que tinha tudo para mudar a face do Brasil, fazendo com que nosso país virasse a página da polarização e dos erros. Ao apostar no velho, fantasiado de novo, o Brasil perdeu uma oportunidade de ouro de recomeçar de maneira limpa, organizada e honesta.

Tudo indica que, se nada surpreendente surgir, o país estará novamente em 2022 refém de duas histórias que se confundem, de dois modelos complementares unidos e movimentados pela mesma máquina que toca todos os governos. O sistema se impôs e, a partir de agora, cobra sua fatura também daqueles que ousaram enfrentá-lo. Neste jogo não há espaço para um novo Brasil, apenas para velhas práticas.

Bolsonaro pode até estar acreditando que governa, mas, assim como Collor em seus derradeiros meses ou Dilma, diante do inevitável impeachment, tornou-se apenas figura decorativa de um modelo político que dá as cartas no Brasil. De forma suave e eficaz, o sistema recobrou o controle do país. Seja por omissão, medo ou conivência, Bolsonaro apenas se tornou o coveiro de nossas esperanças em um Brasil novo.

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