Aureliano Chaves foi um dos melhores homens públicos de Minas Gerais, constituída por uma constelação política que engrandeceu o Brasil. Líderes cultos, próximos dos clássicos, declinavam o latim durante a discussão de um problema político grave, a que davam magníficas soluções de compromisso. Dez anos mais moço que Aureliano, trocávamos cálida amizade e confidências, abrindo caminhos para a passagem de questões delicadas de Estado, em momentos trepidantes da vida política de Minas e do país.
Pregador convincente e confiável, filho de um historiador e latinista de escol, Aureliano levou para as suas atividades de cada dia lições de um código de ética pública e familiar enriquecedor, e a ele recorria para manter-se em alerta quando cuidava de resguardar o interesse maior da comunidade.
Mestre em aforismos, neles encontrava expressões fortes para seu pensamento decidido e corajoso. Um desses apotegmas tinha o escopo de atacar quem deles fizesse troça, confundindo a nossa cultuada mineiridade com velhacaria, insinceridade, esperteza.
Dizia Aureliano, espadachim corajoso contra o crítico ignorante, que a “esperteza, quando é excessiva, acaba por engolir o esperto”. Engraçado, relendo o que acabo de escrever, uma espécie de elogio à sinceridade, caio nas garras de um impostor chamado por Elio Gaspari “Nosso Guia” e mais conhecido simplesmente por Lula da Silva.
Pode ser que o metalúrgico de ontem e o saudoso homem público de Três Pontas partilhassem qualidades, aqui e ali, embora raramente pudessem comungá-las. É razoável admitir que, no campo social, se assemelhassem em sentimentos, enquanto, na esfera do genuíno espírito público, se distanciassem em longos espaços de absoluta separação. Lula, abrindo espaços perigosos ao seu pendor de líder sindical autoritário, achou de pôr a público o seu candidato à sucessão. Aos que cultivam a ortodoxia política, a hora soou imprópria.
O critério da sábia prudência não recomendaria aquele momento para recorrer ao bolso do colete. O aconselhamento clássico poderia, à falta do candidato natural, recomendar menos mandonismo, respeitando-se mais espera e melhor escolha. Temeria Sua Excelência ir-se embora o tempo melhor aprazado para impor a vontade?
Possível seria, embora não provável: as pessoas autorreferentes, de escassa competência para avaliar com realismo um quadro de alta projeção sobre seu ego, não agem assim; ao contrário, talento é que não lhes falta em qualquer campo de batalha. Conclui, por isso, que não precisam ouvir opiniões, levar em conta conselhos desnecessários ou sugestões já experimentadas, porém inúteis. Bastam-se amplamente a si mesmas, e estamos falados.
É a vocação, elevada aos cumes da hipérbole, que oferece os elementos de sua própria vitória. O raciocínio prossegue no mesmo diapasão. Apontará, assim, quem lhe for mais útil, mais obediente, marinheiro de primeira viagem que não adquiriu aptidão para aventurar-se aos azares de uma carreira política.
Quanto menos jornadas atrás do imponderável voto popular, melhor. Resumindo: só preciso duma “gerentona”. Mas, nem isso, descobriu, decepcionado, e, à Machado de Assis, deve ter soltado um palavrão seguido de um sonoro “não serve nem para meu par de botas”. O desdém pela nação testemunha o desastre. O barco aderna e navega entre seca e meca. Chegará a algum porto? Não se sabe, é densa a névoa. Não convém confiar demais nos fados quando o saber é curto.